Eram
mais ou menos 2 horas da madrugada, quando a porta se abriu e uma lufada
de vento entrou pela sala, espalhando os papéis que estavam sobre
a mesa. Atrás do vento entrou um homem horrível, com cara
de macaco, orelhas grandes e cabeludas. Seu olhar era de faminto e sua
expressão era a de um louco. Imenso, deu dois passos em direção
ao dono da casa e, estendendo a mão enorme, disse com voz rouca:
— Eu quero comer.
O escritor, que estava escrevendo em sua pequena máquina portátil,
levantou-se apavorado e caiu no chão, fulminado por ataque cardíaco.
Aquele que entrara tão abruptamente, ficou indeciso no meio da
sala, sem saber se pisava no tapete imaculadamente limpo com seus sapatos
cambaios e sujos de barro, se socorria o outro ou dava o fora. Acabou
optando pela última hipótese: atravessou a sala, apanhou
um prato cheio de sanduíches, que estava ao lado da máquina
de escrever, e saiu correndo, sem ter cuidado de fechar a porta.
No dia seguinte, pela manhã, a empregada encontrou o cadáver
do escritor e chamou a Polícia. Pouco tinha a declarar. Ao comissário
Jeff Thomas (famoso na localidade por jamais ter descoberto nenhum criminoso),
explicou que chegara pela manhã, para o serviço, e encontrara
o patrão morto. Trabalhava para ele havia mais de um ano e pouco
sabia a seu respeito. Era escritor de contos de terror, que uma empresa
americana editava com êxito. Sofria do coração e
era um homem excêntrico. Morava sozinho naquela casa afastada
da cidade e só recebia, de raro em raro, a visita do editor ou
do médico, que o examinava regularmente. Não parecia ter
inimigos, mas estava sempre com ar soturno, como a imaginar os personagens
de seus contos misteriosos.
Jeff Thomas botou o cachimbo apagado no bolso (nunca fumava; usava cachimbo
porque ouvira dizer que todo policial inglês usa cachimbo), agradeceu
à empregada os esclarecimentos prestados, que, por sinal, não
esclareciam nada, e pegou o laudo médico que o legista acabara
de assinar. Lá estava: morte natural (colapso cardíaco).
Jeff sentiu que o caso estava encerrado. Embora estivesse certo de que
alguém entrara naquela sala antes da empregada. O tapete sujo
de lama (fora limpo na véspera, segundo a empregada), a porta
escancarada, mesmo com o frio que fizera na noite anterior, o desaparecimento
de um prato cheio de sanduíches, que a empregada garantiu que
colocara ao lado da máquina do escritor — tudo isso lhe
dava a certeza de que, naquele caso, havia um mistério qualquer.
Jeff gostava de ser detetive, mas não gostava de se chatear.
O homem morrera do coração, não havia suspeitos,
logo o melhor era mandar o corpo para o necrotério e avisar a
família. Deu esta ordem aos seus auxiliares e — apenas
por desencargo de consciência — apanhou o papel que estava
na máquina de escrever, para juntar ao relatório que seria
obrigado a fazer. Eram as últimas palavras escritas pelo escritor
falecido. Jeff leu e não deu qualquer importância. Era,
por certo, o início de mais uma história de terror e começava
assim:
“Eram mais ou menos 2 horas da madrugada, quando a porta se abriu
e uma lufada de vento entrou pela sala, espalhando os papéis
que estavam sobre a mesa. Atrás do vento entrou um homem horrível,
com cara de macaco, orelhas grandes e cabeludas. Seu olhar era de faminto
e sua expressão era a de um louco. Imenso, deu dois passos em
direção ao dono da casa e, estendendo a mão enorme,
disse com voz rouca:
— Eu quero comer.”
PONTE PRETA, Stanislaw. Tia Zulmira e eu.
Rio de janeiro, Codecri, 1968. p. 93.
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