| Unidade 1 | Módulo 1 | Tela 1 |
|
1 - Funções do Estado
O início do século XXI é marcado por crescentes contradições acerca da organização da sociedade humana. A ideia de “crise” se dissemina para várias áreas. A crise do Estado é a mais propalada de todas. A polêmica em torno da “crise do Estado” segue-se à “crise do governo” e à forma de gestão pública. Quais as funções do Estado? O Estado deve ser o operacionalizador dos serviços públicos? Numa sociedade complexa e desigual, o Estado não teria que, necessariamente, articular um projeto que diminua as desigualdades e crie um ambiente favorável ao desenvolvimento socioeconômico?
Se a ideia
de crise é inerente à ideia de ruptura com elementos estruturais
da ordem social, que “ordem” é essa sobre a qual recai
a ameaça da ruptura? |
|
|
Tela 2 |
|
Se o núcleo do projeto moderno está centrado na ideia de um progresso material, posto pela ciência e capaz de nos conduzir a um tipo de organização social racionalizada, planejada e controlada sistemicamente, a “crise” que hoje vivenciamos conduziu-nos aos limites da racionalidade dentro da política? Estaríamos próximos de afundar no “oceano ilimitado da política”? Ou a “crise”
nos conduziu ao confronto com os “limites do crescimento”,
ao nos fazer “cair” – literal e metaforicamente –
sobre a finitude da base material que sustenta a Economia? |
|
Tela 3 |
|
A ciência moderna propôs uma organização social baseada em normas racionais modeladas – como bem observou Michel Foucault em sua obra Vigiar e Punir – pelo modelo previsão/controle – vigilância/punição. O ethos da racionalidade iluminista – que impõe as ideias de um progresso contínuo e de um desenvolvimento ilimitado – apresenta o Estado como sendo o locus privilegiado da administração social. Sendo assim, a crise apontada pelos “pós-modernos” conduzir-nos-ia ao “fragmentário”, ao “local”, ao “antitotalitário”, ao “antiestatal”? A única regulação possível é a “mão invisível do mercado”? Em um mundo fragmentário, substituiremos, por um lado, a “sabedoria” da natureza – “deixe o rio seguir seu curso” – apregoada pelos partidários dos ambientalismos, ecologismos, naturismos, e outros tantos “ismos” de plantão e, por outro lado, a racionalidade iluminista dos burocratas, tecnocratas, dogmáticos seria substituída pela “sabedoria” do mercado – a “lei da oferta e procura”? |
|
Tela 4 |
|
Ou a questão é meramente quem vai regular? Os Estados nacionais, que quase já não dispõem sequer de uma mera igualdade formal na comunidade internacional (se é que tal coisa ainda existe) serão espectadores passivos – enquanto ainda lhes restar um último alento para assistir sua derrocada final – e o grupo dos doze, dos sete, dos cinco, dos três, do um decidirá quais as regras que melhor atenderão aos seus interesses? Os “blocos econômicos” serão os grandes protagonistas do jogo das relações internacionais no século XXI? Estamos inaugurando a era das “federações de Estados soberanos”. Será que tal aberração conceitual é possível? Com o estabelecimento da União Europeia, estaríamos caminhando para a constitucionalização do Direito Internacional e, consequentemente, das relações internacionais?
Mais uma vez retornamos ao ponto de partida: não é possível especularmos sobre nada disso, se não pensarmos sobre a realidade do Estado – seu papel, suas funções. O Estado
deve ser o agente regulador das atividades econômicas ou o livre
mercado seria o meio mais eficiente para alocar recursos e gerar produção? |
|
|
Tela 5 |
|
Muitos apregoam a ideia de que o mercado capitalista funciona muito bem para gerar riquezas, para produzir, porém, é ineficiente para distribuir a riqueza e gerar igualdade. O papel do Estado seria o de mero distribuidor dos resultados do progresso material? Como a relação do Estado com a sociedade civil se encontra dimensionada nessa “crise”? O que se considera – hoje – como esfera pública e privada? Como estas dimensões da vida humana em sociedade devem relacionar-se? Nós costumamos crer, como bem enuncia Ignacio Ramonet (2001), que não há desenvolvimento fora da economia de mercado, que a estatização dos meios de produção provoca o desperdício e a penúria, consideramos, também, que a liberdade de pensamento e de expressão tem como condição necessária uma certa liberdade econômica. Mas isto é certo? Pode ser que sim, pode ser que não. O compromisso de examinar essas condições com isenção deve ser assumido. |
|
Tela 6 |
|
2 - O Estado-nação e a “nova ordem mundial” O Estado-nação surge como produto híbrido do racionalismo iluminista e do romantismo oitocentista. Posteriormente, emerge o chamado princípio das nacionalidades, postulando a ideia de que a entidade então denominada “nação” detinha legitimamente o direito de autodeterminar-se, constituindo-se em Estado. A partir de então, assumindo-se como “nação politicamente organizada”, surge o modelo ocidental de organização política que marcou a História contemporânea. Foi esse modelo que, imposto unidimensionalmente depois da Segunda Guerra Mundial, sobretudo na sequência da chamada descolonização, universalizou-se, tornando-se protagonista das relações internacionais no século XX.
No conturbado século XX, muitas nações tornaram-se independentes, reforçou-se a conscientização da defesa dos Direitos Humanos, e o surto da democratização foi notável: entre 1/2 a 3/4 da população mundial vivem, hoje, sob regimes relativamente democráticos e pluralistas. Relatório do PNUD de 1994 insinua que a Humanidade avançou, apesar de tudo, nos últimos 50 anos:
|
|
|
Tela 7 |
|
|
|
A população mundial duplicou desde 1945, de 2,5 a 5,5 bilhões, e até o ano 2010 terá duplicado novamente. O crescimento demográfico mundial parece estar realizando a profecia malthusiana de um colapso universal inevitável. A “nova ordem mundial” exige novas concepções, novas estratégias para lidarmos com a escala transnacional, um novo contrato social e político mundial. Tudo isto acarreta a necessidade de elaborarmos novas formas de governança e de governabilidade mundial. Falar de uma nova governabilidade, de novas formas de governança é, hoje, uma preocupação generalizada. Esta preocupação se deve à constatação de que as atuais concepções políticas são inadequadas e estão plenamente desacreditadas. Facilmente, constatamos que a desconfiança da opinião pública em relação aos políticos e às instituições, aos Governos e à Administração, quanto a sua credibilidade e eficiência, é crescente, fato que ocasiona instabilidade e incerteza. |
|
Tela 8 |
|
Acrescente-se a isto que, dentro deste novo espaço – o da sociedade global –, o Estado-nação sofre um certo enfraquecimento frente ao poder das organizações regionais e transnacionais, perdendo muito do seu poder diante da influência dos macroagregados globais e do mercado mundial. Vem dividindo, também, seu poder político com outros órgãos da sociedade civil, passando a incorporar a função de controlador, coordenador e gestor das políticas públicas. Para respondermos aos desafios da Sociedade Global, impõe-se, necessariamente, pensar e agir nos diversos níveis – local, regional, nacional, regional-internacional e mundial – coordenadamente. No entanto, uma intervenção múltipla – em vários níveis, desde o local ao mundial – para ser minimamente bem-sucedida, requer formas mais amplas de governabilidade, e o círculo vicioso se fecha: sem coordenação não há governabilidade, sem governabilidade não há coordenação.
|
|
|
Tela 9 |
|
3 - O Governo
Administrar, de uma forma justa e equitativa, a base material da existência, determinando as medidas capazes de direcionar a produção, a alocação e a distribuição dos recursos que são vitais – não apenas para a sobrevivência, mas também para a “felicidade pública” – deve ser o fim último de um bom governo. Como repartir, alocar, distribuir adequadamente os recursos que são, em primeira e última instância, a medida da existência humana? Dispomos, verdadeiramente, de algum instrumento – justo – para fazermos a gestão adequada destes recursos? A questão central da política passa, indiscutivelmente, pela construção da melhor forma de governo. Qual seria a melhor forma de governo? Aquela capaz de realizar o “sumo bem”? Aristóteles, em sua clássica obra "Ética a Nicômaco", identifica a felicidade pública como o sumo bem – o maior e melhor de todos os bens, o fim último de um bom governo é a felicidade, eudaimonia – dos cidadãos. |
|
Tela 10 |
|
O que fazer para alcançar este bem supremo? Como chegarmos a uma “arte de bem governar” verdadeiramente calcada na Justiça?
A melhor forma de governo será sempre aquela que toma as melhores decisões, e estas serão sempre as que são tomadas no sentido de promover o bem público universal. E, considerando-se que não somos, infelizmente, criaturas incorpóreas, dessas que “flutuam” no vácuo, para promovermos o “bem público universal”, fatalmente deveremos levar em conta a base material da existência. Os tempos modernos são dominados por um sentimento generalizado de que Economia e moralidade são intrinsecamente incompatíveis. A esfera econômica tornou-se autônoma, acabando mesmo por suplantar a esfera política. No entanto, ainda soberana em seu trono de glória, começa a ser questionada por alguns pensadores. Hoje, alguns economistas, como Galbraith e Amartya Sen, parecem insinuar que não se pode alterar significativamente o sistema econômico sem mudar a moralidade. |
|
|
Tela 11 |
|
A confiança mútua é a base da divisão do trabalho. Sem os laços de solidariedade e confiança, como é possível projetarmos um futuro em comum? Jean Bodin, em vários pontos dos "Seis Livros da República", fala-nos sobre a importância da amizade. Sem esta “amizade”, que nos dá um mínimo de garantia, segurança e certeza, não seria possível produzirmos os valores tangíveis dos quais se ocupam nossos sapientíssimos economistas. Na atualidade, palavras densas como: Estado, Sociedade civil, Governo, governabilidade, Mercado, acrescidas de alguns termos que traduzem ideias de difícil compreensão para os mortais exilados do Olimpo, tais como: déficit público, default da dívida externa, superávit primário, política cambial, responsabilidade fiscal dentre outros, são “pedras cantadas” exaustivamente nos pobres ouvidos dos “cidadãos comuns”, e, ao final das contas, a grande questão permanece a mesma: como promover a Justiça dando a cada um o que é seu? É possível concebermos, criarmos e mantermos uma forma de organização política justa e equitativa, na qual o “milagre” de compatibilizar o máximo de liberdade com o mínimo de desigualdade deixe de ser apenas utópico? É esse, verdadeiramente, o “porto” onde nossa civilização pretende ancorar? Se acreditarmos que sim, como conduziremos a nau, em segurança, até lá? |
|
Tela 12 |
|
Thomas Jefferson afirmou, certa vez, que “o melhor governo é o que menos governa”, no entanto, os Estados Unidos erigiram um imenso complexo governamental para atender às exigências da sociedade industrial em que se transformaram.
No cerne da crise em que nos encontramos, está, como afirma Eli Diniz, o “descompasso entre o Estado e a sociedade”. A rigidez da institucionalidade estatal abre um fosso quase intransponível entre o Estado e a complexidade crescente da sociedade. |
|
Tela 13 |
|
Não nos cabe, aqui, realizar um retrospecto da “crise” tentando encontrar suas “causas” e “origens”. Todos temos, ainda que vagamente, noção de alguns fatores exógenos – os choques de petróleo de 1973 e 1979/80 e a consequente crise da dívida externa em decorrência das altas taxas de juros internacionais que passam a ser praticadas pelos países industrializados importadores de petróleo – e outros endógenos – como o esgotamento do modelo desenvolvimentista, baseado na industrialização por substituição de importações, fortemente centrado no Estado, com o consequente desgaste da ordem político-institucional que sustentava esse modelo. O crescente desequilíbrio fiscal, a desordem das contas públicas e uma inflação galopante tornaram-se parte da rotina do país, bem como as várias tentativas de estabilização da economia, com uma longa série de “pacotes” terrificantes dos quais os indefesos cidadãos se tornaram reféns. |
|
|
Tela 14 |
|
Por fim, dentro do modelo “neoliberal”, a proposta de reformar o Estado e redefinir suas funções vem sendo anunciada aos quatro ventos como imperiosa e imprescindível para que o país possa enquadrar-se na “nova ordem econômica e financeira mundial”. O modelo neoliberal de ajuste da Economia foi imposto ao terceiro mundo – como resistir? A “estabilização da Economia” e as reformas estruturais têm ocupado a agenda governamental. Discute-se também, intensamente, as novas funções do Estado. A ditadura do “Estado mínimo” imposta pelo ideário neoliberal foi amplamente contestada: suas funções de controle, sua atividade como regulador das políticas públicas, seu papel de coordenador entre as várias agências governamentais, os três níveis de governo e entre a esfera pública e a privada são hoje tidas como de fundamental importância. |
|
|
Tela 15 |
|
Na tentativa de se redefinir o Estado, seu papel e suas funções, surgem alguns requisitos políticos, organizacionais e gerenciais capazes de torná-lo eficaz e eficiente frente aos desafios e dilemas que se apresentam. É nesta perspectiva que se discute, hoje, a questão da governabilidade. A tal da “ingovernabilidade” ou o “desgoverno” aparecem com frequência nos discursos políticos, dando-nos a impressão de um naufrágio iminente. Argentina, Uruguai e tantos outros “Titanics” de reserva parecem nos apontar o “mar tempestuoso da História” levantando-se em grandes ondas.
São
muitos os que hoje se esforçam por apontar e identificar as causas
da “crise da governabilidade”. Profusos diagnósticos
e amplas sugestões são oferecidos, alguns descabidos e inexequíveis,
outros “politicamente incorretos”, alguns parecem até
fazer algum sentido, mas... o dilema continua. |
|
|
Tela 16 |
|
|
O vínculo estreitíssimo entre Governo e Estado parece dificultar
a possibilidade de pensar o Governo a partir do seu exercício e
não apenas como uma unidade administrativa, jurídica e territorial.
|
|
Tela 17 |
|
Resumo O início do século XXI entra em cena atormentado por crescentes contradições sobre a organização da sociedade humana. No bojo de todas as pretensas crises, a mais propalada, sem dúvida, é a crise do Estado. Qual o papel do Estado? Se o Estado foi apenas mais uma forma de organização política historicamente determinada, cujo fim se anuncia bem diante dos nossos olhos, o que virá pela frente? Estas questões ocupam o centro do grande dilema de nosso tempo. A polêmica em torno da “crise do Estado” segue-se à “crise do governo” e à forma de gestão pública. Quais as funções do Estado? O Estado deve ser o operacionalizador dos serviços públicos? Numa sociedade complexa e desigual, o Estado não deveria ser, necessariamente, articulador de um projeto que diminua as desigualdades, criando ambiente favorável ao desenvolvimento socioeconômico? A “nova ordem mundial” exige novas concepções, novas estratégias para lidarmos com a escala transnacional, um novo contrato social e político mundial. Tudo isto acarreta a necessidade de elaborarmos novas formas de governança e de governabilidade mundial. Falar de uma nova governabilidade, de novas formas de governança é, hoje, uma preocupação generalizada. Esta preocupação deve-se à constatação de que as atuais concepções políticas são inadequadas e estão plenamente desacreditadas. Constata-se, facilmente, que é crescente a desconfiança da opinião pública em relação aos políticos e às instituições, aos Governos e à Administração quanto a sua credibilidade e eficiência, fato que ocasiona instabilidade e incerteza. Acrescente-se a isto que, dentro deste novo espaço – o da sociedade global – o Estado-nação sofre certo enfraquecimento frente ao poder das organizações regionais e transnacionais, perdendo muito do seu poder diante da influência dos macroagregados globais e do mercado mundial. Vem dividindo, também, seu poder político com outros órgãos da sociedade civil, passando a incorporar a função de controlador, coordenador e gestor das políticas públicas. Para respondermos aos desafios da Sociedade Global impõe-se pensar e agir em todos os níveis – local, regional, nacional, regional-internacional e mundial – coordenadamente. No entanto, uma intervenção múltipla – em diversos níveis, desde o Local ao mundial – para ser minimamente bem-sucedida requer formas mais amplas de governabilidade, e o círculo vicioso se fecha: sem coordenação não há governabilidade, sem governabilidade não há coordenação. |
|
|
| Unidade 1 | Módulo 2 | Tela 18 |
| 1
- Crises do Governo
Na década de
1970, não se podia pensar um modo de governar que não estivesse
em conformidade com a corrente dos impostos e serviços prestados.
O sistema funcionava bem enquanto a arrecadação crescia,
mas, quando a taxa de crescimento diminuiu e a crise fiscal se tornou
evidente, o cenário se alterou. Desde a década de 1980, os governantes enfrentam um cenário nada promissor:
Em decorrência disso, a sociedade vê-se submetida a uma série de tentativas de ajuste da economia, visando a tão sonhada estabilização. Tais ajustes materializaram-se sob a forma de “Planos” que se foram sucedendo até chegarmos ao modelo de ajuste neoliberal da atualidade, dentro do qual nos cabe discutir os conceitos de governança e governabilidade, mas, antes, é preciso refletir acerca dos conceitos e ideias que temos a respeito do governo.
|
|
Tela 19 |
| 2
- O Estado e o Governo
Em passado recente, assistimos ao desenrolar de um enredo intrigante: indo além da segurança, da justiça e do bem-estar – pressupostos do chamado Welfare State –, passamos de um Estado coordenador para um Estado gestor e deste para o Estado empresário. No século XX, o “espírito absoluto” encarna-se por completo, como sonhava Hegel. O Estado, concebido como órgão do pensamento social, leva ao extremo os delírios estatólatras, acima do bem e do mal. É justamente ele – o Estado – que define o bem e mal, o regimem animarum, a política do espírito... Dessa forma, assistimos, estarrecidos, à ascensão do totalitarismo. Fundadas nas “razões do Estado”, a irracionalidade toma conta da política. Com o fim da Segunda Guerra Mundial, as democracias ocidentais assistiram ao gigantesco crescimento do aparelho estatal. O Estado Providência – movido pelo keynesianismo e pelas novas práticas da social-democracia e da democracia-cristã, que então se assumiram como os principais gestores do novo sistema na Europa Ocidental – começa a girar em torno do centro que, a partir de agora, se impõe: o da economia social de mercado. O Estado é chamado a intervir na economia, na educação, na segurança social, no emprego e nos serviços de saúde e, acima de tudo, no desenvolvimento. |
|
Tela 20 |
A performance do grande "Leviatã" começa, aos poucos, a degenerar-se. Se, para atender aos interesses e demandas da sociedade era necessário um crescente grau de intervenção do Estado, aos poucos, este mesmo intervencionismo passou a ser um pesado obstáculo ao atendimento destas reivindicações. Leviatã – erguido, supostamente, para fazer valer os direitos e reivindicações da sociedade – começa a devorar, engessar e paralisar esta mesma sociedade. Surgem, então, novas reivindicações que visam a libertação da sociedade civil, como a de menos Estado, mais sociedade, ao mesmo tempo em que se clama por um melhor Estado, isto é, por uma nova maneira de intervenção na esfera pública em domínios como o do aumento dos índices de qualidade de vida e da preservação ambiental. O dualismo Estado-sociedade, contudo, está no cerne dessas contradições.
Para que haja um novo modelo de Governo, faz-se necessária uma nova concepção de governabilidade – tanto no exercício, quanto na distribuição de poder. Um modelo federalista equilibrado, em consonância com o pensamento do constitucionalismo moderno, tem por objetivo a conciliação entre a integração e a autonomia dos entes federados, entre a unidade e a diversidade. Ele é inseparável do aprofundamento da Democracia e de maior participação política da Sociedade Civil no processo de tomada de decisões. |
|
|
Tela 21 |
Proudhon defendia a ideia de que o século XX deveria inaugurar a Era das Federações e, de fato, a federalização vem inspirando novas formas de governabilidade. Há, no entanto, alguns desafios: por um lado, a tendência para a integração e, por outro, a tendência para a fragmentação, o que se torna um paradoxo fundamental – é sumamente importante que consigamos ultrapassá-lo, com urgência. Na atualidade, podemos identificar – em nível mundial – movimentos de convergência, ao mesmo tempo em que se verifica a aceleração dos processos de divergência e de dispersão. Dentro dessa complexidade, pode-se constatar a emergência de novas formas políticas. As relações
internas da chamada “nova ordem mundial” são complexas,
e é justamente nas entidades complexas que há, simultaneamente,
convergência e divergência. |
|
Tela 22 |
| Observamos
o fenômeno da convergência na globalização
dos fenômenos políticos, na marcha para a unidade do mundo,
em que problemas como a degradação ambiental, a fome, a explosão
demográfica, o tráfico de drogas, a escalada da violência
e o terrorismo são todos indivisíveis.
Quanto à divergência, pode-se observá-la na multiplicidade das relações internacionais, em que ocorre proliferação dos centros de decisão, o surgimento de Organizações Não Governamentais, o aumento do número de Estados e o aparecimento de novas entidades supraestatais. Diante de todas essas mudanças, podemos perceber um sistema desatualizado e inadequado ao atendimento das demandas, necessidades e expectativas de uma “sociedade global”. A “nova ordem mundial” carece de legitimidade e regulação. |
|
|
Tela 23 |
| 3
- O Brasil e a reforma do Estado Nos anos noventa, o governo brasileiro pôs em curso inúmeras reformas visando a diminuição da área de atuação do Estado, considerando-se que este não vinha conseguindo manter um nível de investimento compatível com as expectativas de desenvolvimento. O modelo do “Estado Desenvolvimentista” entrou em cena com a ascensão de Getúlio Vargas ao poder, na década de 1930. Ele tinha como pressuposto fundamental a crença de que o desenvolvimento econômico era alavancado pelo financiamento do poder estatal.
Foi com a derrocada do estado desenvolvimentista – estruturado no procedimento de substituição das importações, ou seja, da "matriz estado-cêntrica", como sugere Cavarozzi (1991), em sua caracterização do modelo intervencionista estatal latino-americano após 1930 – que surgiu uma nova forma de atuação do Estado: este não mais atuaria como Estado-interventor. |
|
Tela 24 |
| Ao Estado,
neste novo modelo, caberia somente a fiscalização e regulação.
Surge o Estado Regulador. Nesse modelo, caberia à iniciativa privada
a principal tarefa, que é a da execução.
Como podemos perceber, temos três modelos para nortear a atuação do ente estatal:
|
|
|
Tela 25 |
O terceiro modelo deixa a iniciativa privada – em livre concorrência, sob monitoração das agências reguladoras – executar serviços exclusivos do Estado. Este modelo, iniciado no governo Fernando Collor de Melo, consolidou-se com as reformas implementadas pelo governo Fernando Henrique Cardoso. Pretendia-se, com estas reformas, criar uma nova estrutura independente, autônoma, neutra, transparente, imune a pressões político-partidárias, que não herdasse os vícios que marcaram a antiga administração pública.
Com esta pretensa descentralização do poder e com os princípios da livre iniciativa e da concorrência, acreditava-se, que teríamos chegado a um novo modelo de Estado. Menos intervenção e mais liberdade: este era o lema e o leme para a nova “navegação”. |
|
Tela 26 |
| 4
- Pluralismo e Corporativismo
É quase consensual que, diante da crise institucional corrente, faz-se necessária a reforma do Estado brasileiro. É de suma importância elevarmos o índice de governabilidade da Democracia e, para tanto, é necessário não apenas melhorar o desempenho da máquina burocrática, aprimorando seu nível técnico, mas também reforçando a responsabilidade do Estado em face das metas coletivas e das demandas da sociedade.
Há no corporativismo e no pluralismo certos pressupostos básicos comuns. Ambos manifestam, de acordo com Schmitter:
|
|
Tela 27 |
| Ambos os
modelos objetivam o equacionamento dos problemas acarretados pela crescente
complexidade e diversidade de interesses percebidos na sociedade contemporânea.
No entanto, oferecem mecanismos políticos opostos na formatação
institucional do sistema: os pluralistas defendem o equilíbrio cambiante
de forças mecanicamente dispostas, enquanto os corporativistas creem
no ajuste funcional de um todo organicamente interdependente.
Ainda, seguindo Schmitter, no modelo pluralista, detectamos:
|
|
|
Tela 28 |
Enquanto no corporativismo, observamos:
Schmitter (In: RODRIGUES, p.19), definiu o corporativismo como um sistema de representação de interesses no qual:
|
|
|
Tela 29 |
| Não
há corporativismo sem o concurso do Estado, posto que, neste sistema
de representação de interesses, é ele quem reconhece,
cria e/ou autoriza suas unidades constitutivas.
Ao Estado cabe dar o reconhecimento ou estímulo para que essas organizações possam obter o monopólio representativo e a capacidade de ordenar hierarquicamente os interesses que representam. É também o Estado que concede a participação no processo decisório no que tange às políticas públicas, bem como a atribuição de responsabilidades diretas na aplicação de tais políticas. Podemos notar que o corporativismo apresenta duas características:
|
|
|
Tela 30 |
| Embora
seja o Estado que escolhe seus interlocutores, há no corporativismo
uma troca, uma intermediação de interesses, pois o corporativismo
depende de uma troca política, na qual se efetiva acordo entre os
interesses organizados, e os organismos oficiais, para o estabelecimento
de modelo de representação formal e de negociação.
Isto nos mostra que a ação do Estado não é suficiente
para fundar um sistema de intermediação no molde corporativo.
Nesse modelo, observamos a existência de um duplo efeito: a atribuição de status confere aos grupos vantagens e privilégios, mas impõe limitações e obrigações restritivas. Qualquer atribuição de status significa que, por um lado, os grupos auferem vantagens e privilégios, mas, por outro, têm que aceitar certas limitações e obrigações restritivas.
Há a ênfase no associacionismo como elemento de ligação política entre os indivíduos e a esfera pública. O pluralismo concentra-se nos mecanismos institucionais de autorregulação dos governantes com o objetivo de controlar a emergência da tirania. |
|
|
Tela 31 |
| O pluralismo
é visto como um sistema no qual praticamente todos os interesses
podem afetar a escolha pública. Dentro desse modelo, a participação,
que nem sempre ocorre diretamente, é entendida como o desempenho
de um papel ativo no processo de tomada de decisões. Tal participação
pressupõe, para o seu efetivo exercício, a posse de informação
e estratégias de influência. Diga-se, também, que o
pluralismo é um modelo destinado a fracionar o poder estatal e permitir
a participação dos interesses significativos da sociedade
nas tomadas de decisões do governo.
O pluralismo, como sistema de representação de interesses, pode ser definido como um sistema no qual as unidades constitutivas estão organizadas em um número inespecífico de categorias múltiplas, voluntárias, competitivas, não ordenadas hierarquicamente e autodeterminadas (quanto ao tipo e à gama de interesses). Tais categorias não estão especialmente autorizadas, reconhecidas, subsidiadas, criadas ou de algum modo colocadas pelo Estado na seleção de seus dirigentes ou na articulação de seus interesses, e que não exerçam um monopólio da atividade representativa dentro de suas respectivas categorias. Podemos reconhecer os sistemas políticos que operam nos moldes pluralistas a partir de:
|
|
|
Tela 32 |
| A reestruturação
do Estado brasileiro passa pela necessidade da participação
da sociedade durante a realização desse processo. Como fazê-lo?
O sistema pluralista pode oferecer uma representação mais
ampla dos vários interesses existentes na sociedade nos processos
de tomada de decisões governamentais.
No Brasil, marcado por uma longa persistência do corporativismo, a emergência das demandas pluralistas é recente. Visando estabelecer novo modelo para a ação estatal, mediante a reestruturação do aparelho estatal, o Estado brasileiro precisa:
|
|
|
Tela 33 |
| No primeiro
plano dessa reforma, estão localizadas as questões ligadas
à capacidade do governo em negociar e articular as bases de sustentação
que garantem a continuidade das políticas públicas. Contudo,
tanto a negociação política, como essas bases de sustentação
necessitam ser buscadas no seio da sociedade, ou das instituições
que a representam. A sociedade civil adquire fundamental importância
na eficácia da ação estatal.
O Estado, para obter esse apoio, deve comprometer-se com a sociedade civil. Nisto percebemos que a responsabilidade política é fator primordial para o bom governo, da qual decorre a obrigação dos dirigentes em responder por suas ações diante da sociedade, o que implica considerarmos que a reforma do Estado não é apenas uma questão de aumento no grau de eficiência administrativa. Ela depende, também, da existência de mecanismos de cobrança e de prestação de contas. Os cidadãos devem adquirir meios, instrumentos e recursos para o controle dos atos do governo. A sociedade civil é um dos mecanismos institucionais de controle das ações governamentais. A falsa dicotomia Estado-sociedade, ao lado da ineficácia do poder público na gestão dos problemas mais prementes, implicam reconhecermos que, para solucionarmos essas questões, a reforma do Estado não pode estar dissociada do fortalecimento dos mecanismos de representação, controle e fiscalização, nem das práticas de negociação, tendo em vista o aprimoramento das condições de governabilidade democrática. |
|
|
Tela 34 |
Decorre
disto que a reforma social e a reforma do Estado no Brasil estão
estreitamente ligadas. Sem que haja uma não haverá a outra.
A reforma do Estado deve dirigir-se à sociedade civil, pois seu
papel é administrar e gerir os diferentes e contraditórios
interesses sociais.
A Reforma do Estado precisa desenvolver um sistema eleitoral que permita a formação de governos representativos que possuam maiorias estáveis. É necessário construir um campo comum de interesses, no qual possa haver espaço, inclusive, para a oposição, bem como o desenvolvimento de sistemas de participação dos cidadãos no controle direto do Estado e das entidades públicas não estatais. Junte-se a isto a necessidade imperiosa de instituirmos sistemas eficazes de responsabilização dos políticos e da alta burocracia pública. Sem a utilização do sistema pluralista de intermediação de interesses, não será possível a emergência de uma nova cultura política, em que os cidadãos tenham condições de cobrar as responsabilidades dos governantes. |
|
|
Tela 35 |
| Resumo
Na década de 1970, não era possível pensar um modo
de governar que não estivesse em conformidade com a corrente dos
impostos e serviços prestados. Esse sistema funcionou bem enquanto
a arrecadação crescia, mas no momento em que a taxa de crescimento
foi diminuindo, e a crise fiscal se tornou evidente, o cenário
alterou-se. Entra no palco, então, um elenco de problemas, impasses
e dilemas. O que fazer para atender às demandas e reivindicações
da sociedade? Aumentar os impostos? Deixar de atender às demandas,
passando-as para outras instâncias que não a governamental?
É possível fugir do dilema tomando dinheiro emprestado?
É melhor enfrentar o aumento da dívida externa do que enfrentar
o aumento dos tributos? Como desenvolver um modelo de gestão governamental
apto a enfrentar os desafios de uma economia globalizada? |
|
|
| Unidade 1 | Módulo 3 | Tela 36 |
| 1
- Governabilidade
A questão da governabilidade tem sido um dos mais sérios problemas para a consolidação democrática. Os países que passaram, recentemente, por um processo de redemocratização, como é o caso do Brasil, vivem atemorizados quanto à possibilidade de enfrentar crise de governabilidade, o que, fatalmente, comprometeria a estabilidade política e o desenvolvimento econômico. Temos debatido acerca do desafio de construir uma prática de governo democrático sob a pressão de condições econômicas e sociais bastante adversas. Problemas relacionados ao regime federalista, ao presidencialismo e ao sistema partidário devem ser considerados. É necessário que examinemos o arcabouço institucional para detectarmos os aspectos que podem constituir entraves ao processo decisório e, assim, dificultar a consolidação da governabilidade democrática no Brasil. |
|
|
Tela 37 |
| A crise
de governabilidade também se relaciona com a ausência de canais
definidos, de espaços efetivos de negociação política.
Este é um fator que causa inúmeras dificuldades no estabelecimento
de conexões entre atores econômicos, o Executivo e os partidos
representados no Legislativo. Disto vemos que a governabilidade está,
em larga escala, relacionada com a questão do fortalecimento das
instituições democrático-representativas, que devem
funcionar como locus de negociação política
e como mecanismos pelos quais se podem construir áreas de consenso.
Discutir a governabilidade implica, fundamentalmente, compreender a mecânica do processo de tomada de decisão governamental. Podemos flagrar três fatores que interferem em sua dinâmica e condicionam seus resultados:
|
|
|
Tela 38 |
| A história
republicana brasileira é um suceder de ondas de centralização
e de descentralização.
Na Primeira República (1889-1930), vivemos experiência descentralizadora, na qual o papel dos estados na política nacional tinha proeminência a ponto de somente ser possível eleger o presidente da República com o apoio tácito dos governadores. Posteriormente, com o Estado Novo (1930-1945), passamos a uma forte centralização. De novo, na experiência democrática de 1946-1964, os estados readquiriram um papel relevante no jogo político nacional e, mais uma vez (1964-1985), passamos a uma forte centralização instaurada pelo regime militar, na qual houve uma redução significativa na autonomia e nas atribuições político-administrativas dos estados e municípios. Finalmente, em 1985, com a redemocratização do país, a Assembléia Nacional Constituinte adotou uma estrutura altamente descentralizada.
Embora, por um lado, a Constituição de 1988 tenha representado um avanço quanto às garantias de autonomia político-administrativa dos estados e municípios, por outro lado, provocou algumas novas complicações para o desenvolvimento do processo decisório. |
|
|
Tela 39 |
A questão
do federalismo relaciona-se não só com autonomia político-administrativa
dos estados frente ao poder central, mas também com a participação
política dos Estados no poder nacional. Esse aspecto tem provocado
sérias disputas entre os estados-membros que, individualmente,
tentam aumentar seu peso político na esfera federal. Este “peso”
está ligado à sua participação no poder Legislativo.
Esta concentração de prerrogativas implica total responsabilidade sobre a gestão da coisa pública e sobre os mecanismos que determinam a direção dos processos macroeconômicos e sociais. |
|
|
Tela 40 |
| Um primeiro
problema, quanto às dificuldades que o presidencialismo apresenta
para a governabilidade, diz respeito à capacidade de liderança
do Presidente, pois o funcionamento do sistema depende muito de seus atributos
pessoais.
O segundo problema está relacionado com as relações Executivo-Legislativo. No presidencialismo, estas relações apresentam características próprias e uma dinâmica diferente do sistema parlamentarista: é da interação entre os dois ramos do poder (Executivo e Legislativo) que surgem as políticas públicas. Essa interação – os poderes são, supostamente, independentes e harmônicos – apresenta algumas grandes dificuldades, pois as condições para mútua cooperação não estão pré-definidas, devendo ser cuidadosamente construídas. No sistema presidencialista em geral, a cooperação entre Executivo e Legislativo é bastante limitada, o que é agravado quando temos uma estrutura pluripartidária. |
|
|
Tela 41 |
| Outrossim,
o fato de o presidente e os parlamentares responderem a diferentes bases
eleitorais agrava a situação: é a totalidade do eleitorado
brasileiro que elege, pelo sistema majoritário, o presidente da República,
enquanto a representação dos partidos no Congresso constitui-se
a partir da eleição em cada estado-membro da Federação
(pelo sistema de representação proporcional, no caso da Câmara
de Deputados, e pelo sistema majoritário, no caso do Senado).
Isso significa que, para haver as mínimas condições de governabilidade, é imperativa a formação de um governo de coalizão. Como consequência, qualquer política para a qual o Executivo necessite da aprovação do Congresso envolve longas e dificultosas negociações, o que implica, mais uma vez, concentrarmos nossa atenção nos mecanismos que tornam possíveis tais negociações que instruem o processo político decisório.
Outro aspecto a se considerar quanto ao nosso presidencialismo é que, no caso brasileiro, o Executivo tem um alargamento do poder de decisão e de implementação de políticas, como é o caso da Medida Provisória: um instrumento constitucional que lhe dá total liberdade de ação. Por meio deste instituto, o executivo pode legislar e implementar determinada medida, sem antes ter a apreciação do Congresso que, a partir da data da promulgação dessa medida, tem trinta dias para aprová-la ou rejeitá-la, ainda cabendo ao Executivo a possibilidade de reedição das Medidas Provisórias caso o Congresso não delibere nesse prazo. |
|
|
Tela 42 |
| O Executivo
dispõe, também, de outro dispositivo: o pedido de "urgência
constitucional", que obriga as duas casas legislativas (Câmara
Federal e Senado) a aprová-lo no prazo limite de noventa dias. Se,
transcorrida metade desse período, o Congresso não houver
apreciado a matéria, independente do andamento de quaisquer outros
projetos, o pedido de "urgência constitucional" torna-se
a pauta da votação, compulsoriamente.
Ademais, nosso sistema é instável, dada a sua estrutura pluripartidária, que substituiu, com a reforma da legislação partidária de 1979, o modelo bipartidarista, e dada a fragmentação partidária, que tem sido uma característica do quadro partidário brasileiro desde a redemocratização. Esta se deve não apenas ao sistema eleitoral, mas também à legislação sobre organização partidária. Além de permissiva, facilita a criação de novos partidos e não incentiva a lealdade partidária.
Outra consequência da fragmentação é que poucos partidos têm algum “peso” no jogo político, e, mesmo assim, nenhum deles consegue um índice significativo de representatividade. Em consequência, a maioria nunca pode ser obtida sem que haja uma coalizão. A fragmentação não ocorre após a eleição (ou seja, não é o resultado do processo eleitoral), mas principalmente no período entre eleições. Isso significa que não é o sistema eleitoral em si que a produz diretamente. O que o sistema de representação proporcional faz é permitir que essa fragmentação se reproduza. |
|
|
Tela 43 |
| Outro
aspecto causador de dificuldade em nosso sistema, é o fato de o nosso
quadro partidário caracterizar-se pela mutabilidade que se deve,
em parte, ao sistema de representação proporcional de lista
aberta, no qual o número de votos individuais obtidos pelo candidato
é o fator definidor de seu lugar na lista partidária.
Em nosso sistema, a competição eleitoral tem lugar entre candidatos e não entre partidos, pois os eleitores votam no candidato individual. Decorre, portanto, que os parlamentares tendem a atuar como agentes políticos individuais que podem, por conseguinte, passar de um partido para outro tantas vezes quiserem. Mais um ponto a ser considerado é que, embora a sociedade brasileira
seja bastante diversificada, o sistema partidário não reflete
essas clivagens; em decorrência disto, os partidos são mais
frágeis como canais de representação e os interesses
sociais necessitam buscar outras formas de expressão, muitas vezes
naquilo que chamamos “bancadas”: membros de vários
partidos formando grupos que, algumas vezes, atuam de forma mais efetiva
do que os partidos. Se o sistema partidário não concilia a divisão – que é inerente à própria ideia de partido político – com a agregação (coesão interna), não há sentido em se falar em partidos. Estes, dados os problemas identificados no sistema, deixam de ter centralidade na negociação política. |
|
|
Tela 44 |
| 2
- O Fisco
O principal mecanismo de financiamento do Estado e dos serviços públicos é o tributo, e em matéria tributária não há neutralidade. A definição de um sistema tributário, na verdade, implica decidir sobre quem recairá o ônus desse financiamento.
No Brasil, historicamente, o maior peso da tributação incide sobre as classes de menor renda, principalmente os assalariados. No entanto, sabe-se que, dos tributos arrecadados, mais da metade da receita administrada pela União é subtraída para servir uma dívida mobiliária assustadora, em vez de financiar o cumprimento dos deveres do Estado. As propostas de reforma tributária, contudo, parecem não contemplar a possibilidade de reverter o confisco sobre os assalariados, pessoas físicas e consumidores finais. |
|
|
Tela 45 |
Questões fundamentais na definição de um sistema tributário, como justiça fiscal e eficiência dos gastos públicos, parecem não ter a mínima importância. Ao contrário, todas as discussões parecem girar exclusivamente em torno de questões “técnicas”, quais sejam:
Outra questão importante refere-se ao fato de ser a política fiscal do Brasil condicionada pelo modelo federativo, e as relações federativas brasileiras costumam ser definidas como relações de tipo centro-periferia. Observa-se a existência de um centro mais importante, no qual são tomadas as decisões de maior relevância, e de uma periferia federativa composta por entes políticos que influenciam a tomada de decisões pelo centro. Partindo-se desta ideia de relação centro-periferia, podemos constatar a existência de tensões federativas: tensões verticais – entre entes federados de tipos diferentes–, e tensões horizontais – entre entes federados de mesmo tipo. Essas tensões refletem-se na política fiscal, pois as relações fiscais são condicionadas por movimentos cíclicos do poder decorrentes desse formato centro-periferia – em que há, por vezes, uma concentração de poder no centro e, em outros momentos, este poder dispersa-se entre os entes federados periféricos. |
|
|
Tela 46 |
| As relações
fiscais são condicionadas por esses movimentos cíclicos do
poder, não apresentando, contudo, relação direta entre
poder e recursos fiscais, mas relação de troca de um pelo
outro. Tudo isto leva a perceber a existência de efetivo limite político
à ação fiscal.
Como, então, formular respostas fiscais às desigualdades
regionais,
Podemos ter como certo que a distribuição das receitas públicas, por meio de uma considerável transferência de recursos fiscais do nível federal para o estadual e local, descentralizou o sistema. Contudo, novas distorções foram criadas à medida que não foi posta em curso a redefinição das atribuições de cada nível de governo. Em áreas como saúde, educação e habitação, a Constituição Federal estabelece que os três níveis têm responsabilidade ou jurisdição comuns. A Constituição não define claramente quais são as regras para delimitar as atribuições específicas de cada uma das esferas de governo. Isto ocasiona, por um lado:
|
|
|
Tela 47 |
| Os governadores
passam a ser atores com poder de veto no processo decisório nacional,
pois podem influenciar decisivamente nas posições da bancada
de seus estados no Congresso Nacional. O que pode afetar, consideravelmente,
a eficácia governativa em âmbito nacional.
Por outro lado, vemos que esta estrutura ineficaz afeta, diretamente, o atendimento das demandas sociais. Os cidadãos não querem menos educação, menos serviços médicos, e também não desejam impostos mais elevados. Querem melhorias em troca dos mesmos impostos que já pagam. Líderes políticos, em sua maioria, ainda afirmam que há apenas duas formas de superar as reiteradas crises do setor público:
Há quase duas décadas estamos pedindo uma terceira opção. Qual seria? |
|
|
Tela 48 |
| Resumo
O conceito de governabilidade refere-se a alguns fatores de fundamental importância para a vida em sociedade, tais como: manutenção da ordem e da lei, capacidade de formular e implementar políticas e administração e o controle dos distintos elementos que interferem na dinâmica do sistema político. A questão da governabilidade tem sido um dos mais sérios problemas para a consolidação democrática. Os países que viveram, recentemente, um processo de redemocratização, como é o caso do Brasil, vivem atemorizados quanto à possibilidade de enfrentar uma crise de governabilidade, o que, fatalmente, comprometeria a estabilidade política e o desenvolvimento econômico. No desafio de construir uma prática de governo democrático sob a pressão de condições econômicas e sociais adversas, devem ser considerados os problemas relacionados ao regime federalista, ao presidencialismo e ao sistema, como também examinar-se o arcabouço institucional, de forma a detectar os aspectos que constituam entraves ao processo decisório e dificultam a consolidação da governabilidade democrática no Brasil. A crise de governabilidade também se relaciona com a ausência de canais definidos, de espaços efetivos de negociação política. Este é um fator que causa inúmeras dificuldades no estabelecimento de conexões entre atores econômicos, o Executivo, e os partidos representados no Legislativo. Vê-se que a governabilidade está, em larga escala, relacionada à questão do fortalecimento das instituições democrático-representativas, que devem funcionar como locus de negociação política e como mecanismos pelos quais podemos construir áreas de consenso. Discutir a governabilidade implica, fundamentalmente, compreender a mecânica do processo de tomada de decisão governamental. Neste processo podemos flagrar três fatores que interferem em sua dinâmica e condicionam seus resultados: o federalismo, o presidencialismo, e a conformação do sistema partidário. |
|
|
| Unidade 1 | Módulo 4 | Tela 49 |
| 1
- A Moeda A cultura da Europa medieval era avessa à especulação financeira. Isto ocorria devido a motivos práticos e, também, ideológicos. Seguindo os ensinamentos de São Tomás de Aquino, considerava-se injusto e ilícito “vender uma coisa por mais e comprá-la por menos do que vale”. Condenava-se a usura e considerava-se a busca pelo lucro imoral. Na Cidade de Deus Agostiniana, não havia lugar para o especulador. (CHANCELLOR, 2001) Durante o período feudal, muitas das transações financeiras do mundo romano tornaram-se desnecessárias: o pagamento em dinheiro era substituído pelo pagamento em espécie.
|
|
|
Tela 50 |
| Talvez
seja mais importante discutir o que a moeda não é. A moeda
não é uma poção mágica, um elixir alquímico,
uma varinha de condão, ou a lâmpada maravilhosa de Aladim.
A moeda não tem o poder de fazer com que coisas surjam do nada...
não?! Fica difícil, portanto, não acreditar no poder mágico da moeda em um mundo onde fortunas homéricas são criadas da noite para o dia por obra e graça dos passes de mágica da pura especulação financeira. Speculum... Parece até que vivemos, mesmo, num mundo virtual, espectral, de imagens e sombras, reflexos espelhados. E nós, pobres leigos, ficamos a pensar como é possível um mundo onde a tal da “moeda” – e esta coisa ainda mais incompreensível que parece receber o nome de “política monetária” – operam “acima do bem e do mal”, aparentemente divorciadas daquilo que para nós parece ser a “prova dos nove” do real: a tal “base física da economia”. Na verdade, para nós, leigos, esta tal “política monetária” parece conspirar contra os interesses da economia. Bem, mesmo nós, leigos atormentados por um dialeto tecnocrático chamado “economês”, que nos inspira terror e desespero, temos uma vaga noção de alguns temas do nosso passado recente. Vamos, então, relembrá-los. Lemos que
as proposições keynesianas foram hegemônicas durante
todo o período que vai de 1946 até 1970. |
|
Tela 51 |
|
|
Lemos que na década de 1970 ressurge, com força, as ideias monetaristas, as quais retomando Hayek e a mais que famigerada Escola de Chicago advogam pelo livre mercado e pela ideia de um Estado Mínimo. A década de 1970 passa pelas duas famosas crises do petróleo (1974 e 1979) e assiste à inflação e ao déficit público serem constantemente apontados como fatores nocivos ao equilíbrio econômico. Friedmann desponta, então, no horizonte como o supremo referencial dos monetaristas, pregando a tese do Estado mínimo, e, ao que parece, elegendo como bode expiatório de toda a “crise” a dificuldade dos governos em controlar a moeda. Ou seja, os governos deveriam garantir a estabilidade e promover a segurança. E ficamos nós, leigos e ignorantes, a pensar como a ideia de um “Estado mínimo” é compatível com a de um governo “garantidor da estabilidade e promotor da segurança”; como a tal da “moeda” é por vezes tratada como uma verdadeira hemorragia prestes a provocar a falência múltipla dos órgãos e, em outras tantas vezes, vista como a transfusão miraculosa que salva, in extremis, o moribundo do caixão. Tudo para nós, parece resumir-se em um duplo esforço de irrigação e drenagem... para nós faria mais sentido mudar o nome do Banco Central para algo como “Agência Nacional de Irrigação e Drenagem Monetária”. A partir dessa nova perspectiva, ficaria muito mais fácil para nós, canalha ignara, compreendermos a tal política monetária. |
|
Tela 52 |
Bautista Vidal fala, em sua obra, que a moeda passou a ser a medida de todas as coisas e que os demais fatores de produção não mais contam na determinação da riqueza. A moeda adquiriu autossuficiência. Alerta-nos para o erro que é considerar a moeda como “capital produtivo”. Afirma, também, que o objetivo por trás da estratégia que sustenta a “crença” no poder mágico da moeda está ligado à carência de recursos naturais nos países hegemônicos, contrastando com a existência de imensos patrimônios vegetais e minerais de alguns países periféricos como o Brasil. Entregamos nossas riquezas em troca da estabilização monetária. Que desperdício! Ainda mais se considerarmos que:
|
|
Tela 53 |
| 2
- Globalização A palavra “globalização” começou a ser utilizada em meados da década de 1990 para descrever as transformações – em escala mundial – que ocorreram nas últimas três décadas nas esferas econômica, política, jurídica, social, militar, geográfica e geopolítica, entre outras. Karl Marx (1978) afirmava que a partir da realidade econômica é que surge a realidade política e jurídica de uma determinada sociedade. Dizia que na produção social da própria vida, os homens contraem relações, independentes de sua vontade, relações de produção que correspondem a uma determinada etapa do desenvolvimento das forças produtivas. A estrutura econômica da sociedade é formada pela totalidade destas relações e é sobre ela que se ergue a superestrutura jurídica e política. Antônio Gramsci (1981) definia o Estado como o instrumento para adequar a sociedade civil à estrutura econômica e o homo oeconomicus como a abstração da atividade econômica de uma determinada forma de sociedade. Em sua visão, toda forma social tem uma atividade econômica própria, e entre esta estrutura econômica e o Estado, está a sociedade civil. |
|
Tela 54 |
| Como
pensar o Estado e a Sociedade no quadro da “nova ordem mundial”
imposto pela globalização? Desde meados da década de 1970, vivemos um processo de unificação de mercados, ao qual damos o nome de Globalização. Tal processo pode ser detectado em muitos aspectos do nosso cotidiano, desde a interdependência das bolsas de valores ao nível mundial, às megafusões de empresas – cada vez mais, são formadas megacorporações globais, responsáveis da mesma forma por uma maior zona de abrangência no mundo. Seu poder financeiro e sua influência sobre os governos dos Estados soberanos conduzem à superação do Poder nacional pelo Poder de Mercado.
|
|
|
Tela 55 |
| No
discurso da globalização é posto como fundamental atender
a necessidade de todos os países – os periféricos principalmente
– de atrair empresas, para que estas possam gerar empregos e renda
para o local onde se instalarem. Nesta “guerra” os Estados lançam
mão de um vasto arsenal de subsídios, desde a redução
até à isenção fiscal total. Esta atração
de empresas, porém, está se tornando muito difícil
para o Estado.
O processo de globalização vem ocasionando profundas transformações para as sociedades contemporâneas. A aceleração do desenvolvimento tecnológico e cultural, principalmente na área da comunicação, inaugura uma nova etapa do capitalismo. São postos diante de nós novos desafios. Todas as esferas da vida humana – cultura, Estado, mundo do trabalho, educação, etc. – sofrem o impacto dessas novas influências. Vivemos uma completa mudança de paradigmas. A sociedade
moderna, tipicamente industrial, vem passando por uma transformação
radical. O progresso tecnológico nas telecomunicações
e na informatização impulsionou, mundialmente, a formação
da sociedade global. |
|
|
Tela 56 |
O fenômeno que denominamos “globalização” não diz respeito apenas à integração econômica, mas, também, a um processo que envolve transformações nos significados culturais, pois o capitalismo tem, agora, a ação da mídia, do tecnopoder e da informatização para solidificar as suas bases. A sociedade globalizada está transformando a economia no que diz respeito aos meios de produção, pois estes não são mais determinados exclusivamente pelo antigo trinômio – capital, recursos naturais e mão de obra – mas pelo conhecimento técnico e científico. Em suma, a globalização pode ser compreendida a partir de três contextos específicos:
|
|
Tela 57 |
A globalização insere a sociedade e seus atores no plano da transnacionalização dos mercados. Por meio deste processo, os recursos e esforços anteriormente concentrados nos limites do Estado são redirecionados para os mercados. Com a globalização, vemos emergirem instituições paralelas que produzem sua própria base normativa, quebrando a unidade do ordenamento jurídico estatal. Em consonância, a revolução na informática põe ao nosso dispor um veículo extremamente veloz para a disseminação de informações – a internet –, o que parece integrar a humanidade na “aldeia global”. A sociedade globalizada está também transformando o mercado de trabalho, tornando-o cada vez mais imaterial. Nele, o domínio das informações constitui produção, por excelência, de saberes e de linguagens. A lógica taylorista é substituída pelo paradigma do conhecimento. Neste, a rigidez do fordismo perde seu lugar central. |
|
|
Tela 58 |
| 3
- Governabilidade e Mercado Globalizado Hodiernamente, somos inclinados a contrapor às virtudes do mercado os vícios do Estado. No entanto, para que o mercado possa funcionar de maneira eficiente e em benefício de um projeto coletivo, precisamos descartar essa posição minimalista que é incapaz de perceber a importância do aperfeiçoamento dos mecanismos de intervenção governamental. Diversos entraves ligados à dicotomia Estado-mercado precisam ser superados para que edifiquemos um novo padrão de gestão pública capaz de executar reformas em consonância com os interesses sociais.
É
necessário, ainda, que sejam superados os entraves ligados à
dicotomia Estado-mercado, como forma de se buscar um novo padrão
de gestão pública, cuja capacidade de execução
de uma estratégia de reformas esteja em consonância com a
dinâmica dos interesses sociais. |
|
|
Tela 59 |
| Até
que ponto a globalização compromete a governabilidade e a
formulação de políticas públicas? Esta é
uma questão difícil de ser respondida. Há poucos anos,
o jogo da política era feito, de um modo geral, dentro das fronteiras
nacionais, logo, governabilidade ou ingovernabilidade eram questões
internas dos Estados. Atualmente, ao contrário, percebe-se que a
ingovernabilidade “escapou” da sua moldura estatal. O que testemunhamos
é, na verdade, uma crise da política, que pode transformar-se
em uma crise da Democracia.
Devemos considerar, acerca das relações entre os Estados e a nova ordem mundial, que, com o processo de globalização, os Estados nacionais vão perdendo espaço em relação à formulação da política econômica. Apesar de o Estado ser ainda a instância central de legitimação do poder e o destinatário mais importante das demandas sociais, a política tem-se tornado, cada vez mais, ação das grandes corporações transnacionais. Diante disso, uma questão difícil se coloca: como fica a governabilidade no contexto da globalização?
|
|
|
Tela 60 |
|
|
|
Tela 61 |
| Resumo
Como pensar o Estado e a Sociedade no quadro da “nova ordem mundial” imposto pela globalização? Desde meados da década de 1970, vivemos um processo de unificação de mercados, ao qual damos o nome de Globalização. Tal processo pode ser detectado em muitos aspectos do nosso cotidiano, desde a interdependência das bolsas de valores em nível mundial, às megafusões de empresas são formadas megacorporações globais, responsáveis da mesma forma por uma maior zona de abrangência no mundo. Seu poder financeiro e sua influência sobre os governos dos Estados soberanos conduzem à superação do Poder nacional pelo Poder de Mercado. O processo de globalização vem ocasionando profundas transformações para as sociedades contemporâneas. A aceleração do desenvolvimento tecnológico e cultural, principalmente na área da comunicação, inaugura uma nova etapa do capitalismo. A sociedade globalizada está transformando a economia no que concerne aos meios de produção, que não mais são determinados exclusivamente pelo antigo arranjo “capital, recursos naturais e mão de obra”, mas pelo conhecimento técnico e científico. Hoje, somos inclinados a contrapor às virtudes do mercado os vícios do Estado. No entanto, para que o mercado possa funcionar de maneira eficiente e em benefício de um projeto coletivo, é necessário descartar essa posição minimalista incapaz de perceber a importância do aperfeiçoamento dos mecanismos de intervenção governamental. Muitos entraves ligados à dicotomia Estado-mercado devem ser superados, de forma a edificar um novo padrão de gestão pública capaz de executar reformas em consonância com os interesses sociais. |
|
|