| Unidade 2 | Módulo 1 | Tela 1 |
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- Origens da Democracia Grega O vocábulo Democracia é formado pelas palavras “demos” e “cracia”. Mas o que significa, afinal, Democracia?
Na
antiga Grécia – berço da Democracia –, era a
Assembleia
que decidia sobre a paz e a guerra, sobre criação ou revogação
das leis, o desterro e o confisco, a condenação à
pena capital e a tomada de contas dos magistrados. Vejamos agora como
tudo começou. |
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Tela 2 |
Oikos, kome, polis, etheia – Aristóteles falava da casa – oikos – como a primeira das comunidades. Para ele, que acentuava o caráter econômico desta comunidade, a casa era constituída pela natureza, para satisfação das necessidades cotidianas, ela mesma sendo composta por aqueles que comem o mesmo pão ou se aquecem com o mesmo fogo.
A casa era composta por três tipos de relações:
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Tela 3 |
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Como podemos perceber, sob esta conceituação – casa –, Aristóteles enquadrava a comunidade familiar propriamente dita com a comunidade econômica. Segundo ele, estas uniões – a do macho e da fêmea objetivando a procriação, e a do senhor e do escravo, tendo em vista a conservação – eram “necessárias”, o que significa dizer que elas faziam parte do “reino da necessidade” e não do “reino da liberdade” – ou seja, na casa, na oikia, não somos livres para deliberar, debater, escolher, decidir. Estas são atividades próprias do lugar, por excelência, onde o “reino da liberdade” se manifesta: a polis. Mais especificamente, ainda, no coração da polis: a Ágora. Depois da oikos, vem a kome, a união de várias casas e de várias famílias. Embora a kome continue a ter como escopo as necessidades vitais, estas já não se reduzem apenas às necessidades cotidianas. Os “cabeças” das famílias passam, agora, a planejar o atendimento de outras demandas, menos imediatas, que aos poucos forjarão, a partir do interesse em comum, a ideia de “bem comum” que os gregos chamavam koiné e os romanos chamavam “res pública”. |
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Tela 4 |
| Vamos, então,
considerar o sentido profundo da palavra polis. Se, como disse Aristóteles,
o homem é, por natureza, um ser político, devemos considerar
que Política não é apenas a arte e a técnica
(o sufixo “tica” é contração
de Tekhné) de administrar e gerir a polis, mas também
o poli – as múltiplas e complexas relações estabelecidas
entre os homens e que constituem o próprio ser do homem.
Somos, por natureza, seres relacionais. E que relações são essas tão importantes que nos constituem, não apenas como Homo Sapiens, mas, acima de tudo, como Politikon Zoon? Politikon? O que significa? Significa que, isolados no vácuo, cada um de nós é apenas, nas palavras do próprio Aristóteles, um “bípede implume”, somos apenas Homo Sapiens e não pessoas humanas. O que nos dá a condição de “pessoa humana” são as relações que tecemos uns com os outros, daí a famosa filósofa Hannah Arendt (1999) ter afirmado, certa vez, que a política se baseia na pluralidade dos homens. Ao contrário da Filosofia ou da Teologia, que se ocupavam do homem em sua singularidade – e, por conseguinte, nelas todas as afirmações sobre o homem seriam corretas mesmo se houvesse apenas um homem, ou apenas dois homens, ou apenas homens idênticos –, a Política constitui os homens como tais, pois, como dizia a filósofa, Deus criou o homem, os homens são um produto humano mundano, e produto da natureza humana.
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Tela 5 |
| Etheia:
Das relações familiares — a relação masculino/feminino
e relação pais/filhos, passamos de uma etapa primária
de agregação, marcada pelo instinto de conservação
da espécie, a uma forma de vida em grupo, na qual as considerações
meramente técnicas sobre os interesses comuns começam a ser
permeadas por considerações éticas sobre o “bem
comum”. O sentido maior de um “bem comum” ultrapassa a racionalidade técnica – os homens já não são apenas “sócios” que vivem juntos em nome de considerações técnicas e práticas sobre o útil e o prejudicial. Já não se limitam a pensar, deliberar, prever e planejar o atendimento dos interesses particulares que têm em comum. O caráter grupal dessa associação deixa de ser puramente econômico, pois já não se limita à manutenção de uma associação pragmática de fins visando à segurança e ao bem-estar. A vida na polis impõe a necessidade de considerarmos questões éticas, de construirmos uma representação comum do bom e do justo, pois a polis é koinonia, comunhão, comunidade. A vida na polis exige: |
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Tela 6 |
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- Complexidade e a superioridade da polis Aristóteles entendia que os homens não se associavam objetivando apenas a existência material, mas principalmente a vida feliz. Para ele, o que caracterizava a polis como tal era a comunidade do bem viver, a qual tinha em vista uma vida perfeita e independente, pois ela existe para realizar o bem. Segundo palavras de Aristóteles, a polis foi, inicialmente, formada para satisfazer apenas as necessidades vitais, mas, posteriormente, estruturou-se para permitir o bem viver (eu Zein) ou viver segundo o bem. A complexidade
da polis deriva de, por um lado, ter como escopo a autarquia
e, por outro, este bem viver. O que é e como atingir este bem maior? |
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Tela 7 |
3 - Bem viver e a virtude
Na sociedade grega da antiguidade, a cidadania tem um caráter ativo, pois ali o cidadão é o indivíduo que tem o direito à palavra na Ágora. O cidadão toma seu lugar no espaço público, onde são definidas as leis e as questões de Estado. A Assembleia de cidadãos detinha o poder de definir as normas a serem seguidas. Os cidadãos precisavam, por conseguinte, exercer seu poder de persuasão nestes debates travados na Assembleia, posto que deles advinham decisões que se refletiam na vida de todos os habitantes da polis. A participação ativa do cidadão na Democracia grega consistia no fato de todos tomarem parte no processo de tomada de decisões sobre os assuntos que repercutiam na vida de toda a coletividade. Portanto, dois aspectos fundamentais para o funcionamento da polis eram:
Na experiência histórica do povo grego, humanizar-se era impregnar-se de racionalidade. A racionalidade, por sua vez, é inseparável da liberdade. A felicidade – eudaimonia – e o Bem viver – eu Zein – não existem sem a razão e a liberdade. |
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Tela 8 |
| Na
ética-política aristotélica, o homem – um ser
natural como tantos outros – move-se na direção da sua
plenitude. Essa plenitude da felicidade e do bem viver faz parte de um longo
processo. O homem, nesse caminho, passa pela oikia, pela kome
até chegar à comunidade política, a mais completa e
perfeita associação natural. Somente nela o homem atinge sua
plenitude. Este longo processo, que culmina na plenitude, consiste numa árdua conquista de si. Essa autoconquista tem início com a prática das virtudes e culmina na comunidade política. Segundo Aristóteles, a justiça é a virtude moral aglutinadora de todas as outras. Somente ela relaciona o homem com os outros homens. Só a virtude da justiça abre o indivíduo à comunidade, por isso a justiça é a virtude política por excelência. Nas concepções aristotélicas, Ética e Política visam ao mesmo fim: a vida virtuosa – o bem viver – e feliz. Como disse Aristóteles: “o bem supremo depende da ciência suprema e arquitetônica por excelência. Esta ciência é manifestamente a Política, porque ela dispõe quais são as ciências necessárias na polis e que tipo de ciência cada classe de cidadãos deve aprender”.
Aristóteles fala, especificamente, no exemplo da justiça: é praticando ações justas que nos tornamos justos. Donde concluímos que, em sua visão, as virtudes morais não são criadas em nós naturalmente, dado que nada do que é natural poderia ser modificado pelo hábito, pois, se tal ocorresse, seríamos, naturalmente, sempre virtuosos. Mas, também, não são as virtudes separadas da natureza, e muito menos contrárias à natureza. A natureza deu ao Homem a capacidade de receber e cultivar as virtudes pelo hábito, ou seja, é pelo constante exercício das virtudes que as adquirimos. |
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Tela 9 |
| Resumo
A Democracia busca o interesse da maioria e é o governo da maioria. Na antiga Grécia – berço da Democracia –, a Assembleia decidia sobre a paz e a guerra, sobre criação das leis e sua revogação, o desterro e o confisco, a condenação à pena capital e a tomada de contas dos magistrados. Como disse Aristóteles, o homem é, por natureza, um ser político, portanto, devemos considerar que a Política não é apenas a arte e a técnica de administrar e gerir a polis, mas também o poli – as múltiplas e complexas relações dadas entre os homens e que constituem o próprio ser do homem. Somos, por natureza, seres relacionais. Relações estas, tão importantes, que nos constituem não apenas como Homo Sapiens sapiens, mas, acima de tudo, como Politikon Zoon. Politikon porque “isolados no vácuo” cada um de nós é apenas Homo sapiens, não somos pessoas humanas. Segundo Hannah Arendt, ao contrário da Filosofia ou da Teologia, que se ocupavam do homem, em sua singularidade e, por conseguinte, nelas todas as afirmações sobre o homem seriam corretas mesmo se houvesse apenas um homem, ou apenas dois homens, ou apenas homens idênticos, a Política constitui os homens como tais, pois Deus criou o homem e os homens são um produto humano mundano, e produto da natureza humana. Etheia, ethos significam “morada construída”, o cimento que mantém unidos os tijolos numa construção. Todos os animais nascem e vivem diretamente na oikia; o homem, ao contrário, não encontra nenhum habitat natural adequado à sua existência e, portanto, constrói sua morada no mundo. Este é o sentido maior da palavra ética. A nossa “morada” no mundo são as relações, os vínculos que construímos uns com os outros. O sentido maior de um “bem comum” ultrapassa a racionalidade técnica – os homens já não são apenas “sócios” que vivem juntos em nome de considerações técnicas e práticas sobre o útil e o prejudicial. Já não se limitam a pensar, deliberar, prever e planejar o atendimento dos interesses particulares que têm em comum. O caráter grupal dessa associação deixa de ser puramente econômico, pois já não se limita à manutenção de uma associação pragmática de fins visando à segurança e ao bem-estar. A vida na polis impõe a necessidade de considerarmos questões éticas, de construirmos uma representação comum do bom e do justo, pois a polis é koinonia, comunhão, comunidade. Aristóteles
entende que os homens não se associam objetivando apenas a existência
material, mas a vida feliz; assim, a comunidade do bem viver
era o que caracterizava a polis, visando à vida perfeita
e independente, pois esta existe para realizar o bem. Segundo Aristóteles,
a polis, formada inicialmente para satisfazer apenas as necessidades
vitais, posteriormente, estruturou-se para permitir o bem viver (eu Zein)
ou viver segundo o bem. |
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| Unidade 2 | Módulo 2 | Tela 10 |
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- Da Democracia antiga à Democracia moderna
A Democracia é uma forma de governo exercido por
pessoas livres.
Um ponto a ser considerado é que o fato de todos participarem das deliberações públicas não significa, necessariamente, que estas deliberações sejam as melhores. Em decorrência disto, devemos avaliar quais são os fatores que condicionam a melhor tomada de decisão por parte dos cidadãos. A questão
central da filosofia política grega era a construção
da melhor forma de governo. A melhor forma de governo é aquela
capaz de realizar o sumo bem que, de acordo com Aristóteles, é
a felicidade pública. |
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Tela 11 |
A melhor forma de governo é aquela que toma as melhores decisões e estas só poderão ser tomadas quando a Assembleia dos cidadãos chegar às melhores deliberações. Como, então, podem os cidadãos chegar às “melhores deliberações”? E quais seriam estas “melhores deliberações”?
Uma Assembleia capacitada a tomar boas decisões necessita, pois, de cidadãos com disponibilidade de tempo para dedicarem-se ao longo processo de construção dessas decisões. É preciso mesmo muito tempo para debater, polemizar, argumentar e contra-argumentar, pois cidadão é, em última instância, aquele que pode falar e que é ouvido. Sem espaço de fala, não há cidadania. Cidadania é, eminentemente, discurso. |
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Tela 12 |
Em segundo lugar, se as melhores decisões são sempre aquelas tomadas no sentido de promover o bem público universal, e a democracia é a forma de governo segundo a qual as melhores decisões visam a assegurar o bem-estar e a felicidade da maioria dos cidadãos da polis, para que estes cidadãos deliberem adequadamente, é preciso que eles possam dedicar-se à sua paideia, à sua formação enquanto, como dizia Aristóteles, Politikon zoon. Como podemos perceber, não há democracia sem paideia, pois é esta que forma o cidadão. Para a constituição e permanência da polis, é preciso paideia, pois sem ela é fácil enganar um povo. Por isso, Aristóteles dizia que, para serem bons cidadãos, todos necessitavam da educação, pois, acima de tudo, os cidadãos – para serem cidadãos – deviam ser virtuosos e não se chega à virtude sem a paideia.
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Tela 13 |
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- Democracia: a melhor forma de governo é a Justiça
Um bom governo é um governo bom para a maioria? Ou é um governo bom para todos? Na antiga Grécia, Democracia era apenas dirigida à maioria. Era o atendimento dos desejos, expectativas e deliberações da maioria. A Democracia governa para a maioria e não para todos. Daí, Aristóteles entender que um bom governo engloba a ideia de uma Justiça política para todos, não só para a maioria. No entanto, cabe-nos perguntar: quem são “todos”? Será que “todos” são cidadãos? Quem tem direito a ter direitos? Como vimos, na Grécia antiga, a cidadania era para poucos, a grande utopia do Iluminismo, no entanto, expandiu esses limites de forma a abarcar todos os seres humanos:
Isto quer dizer que a igualdade é uma condição própria ao gênero humano enquanto tal. Dessa igualdade
por natureza, deriva um princípio social de igualdade diante
da lei e do Estado. É a igualdade social. E, em razão dessa
igualdade, a Democracia desponta como sendo a mais adequada – ou
mesmo “perfeita” – forma de governo. |
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Tela 14 |
Para Aristóteles, o princípio da igualdade pode ser aplicado de duas maneiras distintas:
Aristóteles entendia que era justo um tratamento desigual entre as pessoas, pois se são desiguais seus méritos, devem ser desiguais seus prêmios. A Justiça distributiva objetivava, justamente, a partilha dos bens da comunidade entre os cidadãos, e exigia que cada qual recebesse uma porção adequada, que correspondia aos seus méritos pessoais. Já a Justiça corretiva levava em consideração a punição da conduta em sua objetividade, não levando em conta, neste julgamento, as especificidades dos sujeitos. Na Justiça corretiva os méritos pessoais não eram valorados e, sim, se media impessoalmente o dano ou o benefício que as partes poderiam experimentar. Como afirmou Rui Barbosa, Justiça não é apenas tratar igualmente os iguais, é tratar desigualmente os desiguais. Encontrar a justa medida e o equilíbrio para decidir quando e o quanto os pratos da igualdade e da desigualdade devem oscilar é o propósito da paideia. |
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Tela 15 |
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- O Estado e o cidadão
Para os filósofos gregos, o Estado era "a universalidade de seus cidadãos" (ARISTÓTELES, Op. Cit., Livro III). Na modernidade o coletivo cidadãos – a chamada “sociedade civil” – é uma instância completamente apartada do Estado. O Estado afigura-se como uma instância outra do corpo dos cidadãos. Os cidadãos ficaram restritos à esfera privada, enquanto ao Estado coube a responsabilização pela esfera pública. O Estado, como instância autônoma, apartada do corpo dos cidadãos, cuida da "coisa pública" em seu nome.
Como vemos, a modernidade concebe a Política como uma atividade essencialmente burocrático-administrativa, ou seja, consideramos a Política como sendo uma técnica separada do corpo da sociedade civil. Aos cidadãos cabe apenas participar, periodicamente, do exercício do voto. Feito isso, retornam para seus afazeres privados. |
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Tela 16 |
4 - Educação No pensamento clássico, a Educação era considerada uma instituição política – um elemento da organização do Estado –, logo, a principal tarefa dos governantes era, justamente, propiciá-la aos cidadãos para que estes pudessem participar ativamente dos debates na Ágora.
Como bem observou Werner Jaeger (1989), na visão dos antigos gregos, o único saber que tem valor é o saber escolher, pois este dá ao Homem a capacidade de adotar a verdadeira decisão. O Bem viver e a felicidade dependem dessas decisões. É por isso que o cidadão deve empenhar-se em adquirir o saber que os capacita a tomar essas decisões. A ideia de paideia pressupõe a liberdade de opção – airesthai –, que está relacionada com a questão ética da reta conduta – prattein/praxis – e a liberdade de escolha – eklegesthai – que se relaciona à escolha dos meios para a consecução de um fim, as escolhas políticas que são deliberadas na Ágora. Esta era considerada
a principal virtude – a arethê –
de um regime político: a formação do cidadão.
A Educação, segundo Aristóteles, deveria inocular
nos cidadãos o amor às leis. Isto só poderia ocorrer
se as leis – elaboradas com a participação dos cidadãos
– estivessem enraizadas na virtude e nos costumes. Sem isso, as
leis se tornariam pura convenção e perderiam sua função
pedagógica como elemento de formação de cidadãos
justos. |
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Tela 17 |
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- Democracia e participação Cornelius Castoriadis, a respeito da polis grega e da democracia, apontou três aspectos fundamentais da concepção clássica sobre o Governo. Governo é essencialmente:
O demos rege-se por suas próprias leis – autonomos –, possui jurisdição independente – autodikos – e governa-se a si mesmo – autoteles. A síntese destes elementos dá-se por meio da ação do demos no jogo político que tinha lugar na Ágora. A participação
política dos cidadãos concretiza-se na Assembleia, que é
o corpo soberano efetivo. Nela, todos os cidadãos têm o direito
de: tomar a palavra – isegoria –, pois suas vozes
têm, cada qual, o mesmo peso – isopsephia. |
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Tela 18 |
| Como
vimos, para Aristóteles, o Estado era "a universalidade dos
cidadãos". O Estado pertencia aos cidadãos, era decorrência
da atividade política dos cidadãos, ou seja, o próprio
Estado é formado pelos cidadãos. A democracia consistia no
poder do demos.
A ideia de Democracia, para ele, está ligada, também, à ideia de que a comunidade dos cidadãos é capaz de deliberar sobre todos os assuntos políticos, mesmo quando esta decisão adentra determinados domínios "técnicos". Deste modo, tanto as decisões relativas à legislação, como também as relativas às questões de governo são tomadas pela eklésia após ouvir diversos oradores.
Como vemos, a ideia de democracia, na antiga Grécia, está associada à noção de exercício direto efetivo do poder pelos cidadãos, pois são estes que assumem o destino da polis. |
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Tela 19 |
| Resumo
A Democracia é um governo exercido por pessoas livres. Podemos caracterizá-la mediante três princípios fundamentais: forma de governo na qual o povo exerce, diretamente, o poder; governo que é exercido por pessoas livres; regime que alterna mando e obediência. Esta alternância é o primeiro atributo da liberdade. É preciso que os cidadãos mandem e obedeçam alternadamente. A Democracia é um regime de igualdade de direitos: o poder deve ser exercido por todos e cada um deve ter o mesmo peso na deliberação. A questão central da Filosofia Política grega era a construção da melhor forma de governo. A melhor forma de governo é aquela capaz de realizar o sumo bem, que, de acordo com Aristóteles, é a felicidade pública. A melhor forma de governo é aquela que toma as melhores decisões e estas só poderão ser tomadas quando a Assembleia dos cidadãos chegar às melhores deliberações. Uma Assembleia capacitada a tomar boas decisões necessita de cidadãos com disponibilidade de tempo para se dedicarem ao longo processo de construção dessas decisões. É preciso muito tempo para debater, polemizar, argumentar e contra-argumentar, pois cidadão é, em última instância, aquele que pode falar e que é ouvido. Sem espaço de fala, não há cidadania. Cidadania é, eminentemente discurso. Sem a formação adequada, sem Paideia, o homem nunca chega a ser um Aristos – alguém que desenvolveu suas capacidades ao grau da excelência. Democracia não é para qualquer um: apenas os que atingem a excelência podem entrar no jogo democrático, pois estes desenvolveram as habilidades e os talentos para... debater, deliberar, escolher, decidir. O resto dos homens obedece. Por isso Aristóteles afirma que, para ser um bom cidadão, todos necessitam da Educação, pois, acima de tudo, os cidadãos – para serem cidadãos – devem ser virtuosos, e não se chega à virtude sem a Paideia. Para os filósofos gregos, o Estado era "a universalidade de seus cidadãos". O Estado pertencia aos cidadãos, era decorrência da atividade política dos cidadãos, ou seja, o próprio Estado é formado pelos cidadãos. Para Aristóteles, a Democracia consiste no poder do demos. Na modernidade o coletivo dos cidadãos – a chamada “sociedade civil” – é uma instância completamente apartada do Estado, pois, para nós, o Estado afigura-se como uma instância outra do corpo dos cidadãos. Assim, os cidadãos ficam restritos à esfera privada, enquanto ao Estado cabe a responsabilização pela esfera pública. O Estado, enquanto instância autônoma, apartada do corpo dos cidadãos, cuida da "coisa pública" em seu nome. |
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| Unidade 2 | Módulo 3 | Tela 20 |
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- Cidadania e participação política
O debate sobre a cidadania é vital para uma sociedade como a brasileira, marcada pela desigualdade e a exclusão social. É relevante compreendermos o quadro teórico em que a categoria cidadania pode ser compreendida, explicitada e empregada. Cidadania, como categoria, é inseparável da participação política e esta da identidade social. Logo:
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Tela 21 |
A cidadania pode ser entendida, dentro de uma visão liberal, como um “status legal” (“o direito a ter direitos”) ou, na perspectiva comunitária de Walzer (1997), como um ideal normativo dos deveres cívicos.
Para Walzer, a cidadania comunitária é uma responsabilidade – um encargo orgulhosamente assumido –, o que contrasta com a visão liberal, em que a cidadania é compreendida como um conjunto de direitos no qual nos integramos de forma passiva. |
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Tela 22 |
| Contrariando
esta visão, temos a emergência de novos agentes sociais taxados
de minorias – mulheres, negros, homossexuais – e a luta de setores
excluídos do processo político formal – como os sem-terras
e sem-teto –, demonstrando este fato de forma expressiva.
Esses grupos têm, de diferentes maneiras, se organizado para postular o reconhecimento e o atendimento de demandas particulares pelo Estado e pela sociedade, o que vem ocasionando alterações nas representações sobre a cidadania e sobre os direitos inerentes à condição de cidadãos. Isso tudo acarreta uma nova maneira de articular a identidade social dentro da comunidade política.
Nomear os indivíduos como cidadãos implica a construção de uma identidade social. O que é isso? |
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Tela 23 |
| 2
- Identidade Social – a construção de um “nós”
coletivo
A identidade é uma condição forjada a partir de determinados elementos históricos e culturais. É um fator que instrumentaliza a ação e cuja eficácia é tanto maior quanto mais estiver associada a uma dimensão emocional da vida social. A noção de identidade, em sua formulação
clássica, permite uma reflexão sobre o processo social que
implica a minimização das contradições reais,
dos conflitos, das diferenças e das desigualdades constituídos
em uma teoria da não contradição, da unidade e da
não diferença. |
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Tela 24 |
A multiplicação de identidades possíveis, o reconhecimento do diverso, das diferenças, no interior de uma única sociedade – atualmente, de um mundo globalizado –, o fenômeno da “macdonaldização”, por um lado, e da “tribalização”, de outro, parecem ter diluído, fragmentado o conceito de identidade.
Mas o que significa identidade? Se a identidade emerge quando sujeitos políticos se constituem, e, neste sentido, permite a criação de um “nós” coletivo que leva à ação política eficaz, precisamos refletir sobre aquilo que nos constitui como sujeitos políticos, a maneira como elaboramos a fala sobre nós mesmos, identificando o que significamos como imagem e como feixe de relações, cartografando um espaço próprio, assumindo uma condição. Falar de identidade implica falar da emergência de uma condição comum que perdura apesar das diferenças específicas, implica a promoção de um reconhecimento. |
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Tela 25 |
| O que é
o nosso conhecimento do mundo senão um sistema de representações
que, tal como um mapa, tenta dar cabo de cartografar o território
fenomenológico da existência?
Representamos nosso território como um sistema de coordenadas que nos dão as marcas, os marcos, os limites, as fronteiras, os espaços que nos distinguem, nos delimitam, nos definem, nos constituem como pessoa, cidadão, imagem, representação de si e, finalmente, como um “nós” coletivo. Identidades são construções sociais formuladas a partir de diferenças – sejam elas reais ou inventadas – que operam como sinais diacríticos. As identidades aglutinam-se em torno de alguns pontos de referência básicos que servem como formas de demarcar fronteiras e estabelecer limites que funcionem como categorias para classificar pessoas e segmentos sociais e como meio de hierarquizar e ordenar as sociedades humanas.
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Tela 26 |
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| Não
podemos falar em construção de identidades fora de um sistema
de relações. Bronislaw Baczko (1982) expõe sobre a
forma como o poder apropria-se do controle dos meios que formam e guiam
a imaginação coletiva, tendo como objetivo impregnar as mentalidades
com novos valores e fortalecer sua legitimidade. E o Poder só consegue
atingir tal fim quando institucionaliza um novo simbolismo e novos rituais.
São esses simbolismos e rituais que fornecem o cenário e o
suporte para a estabilização dos poderes que sucessivamente
se instalam. Portanto, este cenário que dá o suporte para
todas as manifestações do Poder, com suas máscaras,
espelhos e sombras convém ser estudado. Os signos imaginados e os ritos coletivos forjam uma linguagem e um modo de expressão que correspondem a uma “comunidade de imaginação social”. Para Bronislaw Baczko (1982), a imaginação social é um aspecto significativo da sociedade. É por meio dela que as sociedades se percebem, elaboram uma imagem de si próprias e atribuem identidades sociais a seus membros. |
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Tela 27 |
O campo do simbólico constitui-se como espaço da ação humana. E é a forma como os sujeitos históricos interpretam o real que dá significado ao plano do simbólico; portanto, são essas interpretações que nos interessam, posto que, a partir delas, os sujeitos assumem uma condição e se constituem politicamente.
Benedict Anderson (s/d), em seu livro Imagined communities – reflexions on the origin and spread of nationalism, descreveu as nações como sendo tais “comunidades imaginadas”, construídas pelos mitos de origem, ancestrais comuns, heróis, folclore, pela paisagem que marca e define a sua identidade. Se a memória é “a história ajustada às necessidades da construção da identidade nacional” – e para isto ela exige o “esquecimento”, como propunha Ernest Renan –, não seria este “esquecimento” uma exclusão espacial do território simbólico em que as estruturas de Poder forjaram o cenário e o suporte que possibilitam o seu exercício e a sua continuidade? Continuidade e ruptura, tradição e inovação, mudança e permanência: Hannah Arendt (1997), em seu livro Entre o passado e o futuro traz à tona a ideia de uma brecha – gap. Brecha que é sempre crítica, pois traduz o sentido do presente como crise que incessantemente se põe diante de nós, mediante as escolhas e opções que nos permitem ou não a composição de um novo repertório de possibilidades futuras propostas a partir do passado. |
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Tela 28 |
A visão arendtiana enquadra-se no proposto por Renan, quando este expõe que, além de partilhar um passado de experiências comuns, uma nação, para existir, exige o consentimento e a adesão a valores e propósitos comuns. É possível chegarmos a este consentimento e a esta adesão sem um Espaço Público onde seja possível o exercício da cidadania? E se cidadania é, em primeira instância, o direito de falar e de ser ouvido, ou seja, é o direito de constituir e ocupar o espaço de fala, como é possível haver Democracia se ignoramos o território simbólico que dá as marcas, marcos, limites de todo o discurso e toda a ação? Cada sociedade constrói para si – dentro do imaginário social – representações do que ela assume como sendo:
A partir dessas construções, as sociedades estabelecem diferentes identidades sociais para o cidadão. É dentro desta identidade que as sociedades definem as possibilidades de ação política de seus membros bem como as práticas sociais legítimas para o seu exercício. Este é um aspecto importante: veremos, mais adiante, como os conceitos de Cidadania Corporativa, responsabilidade social e participação social da empresa decorrem disso tudo. |
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Tela 29 |
3 - Cidadania e valores políticos A modernidade estrutura-se em um padrão socioeconômico diverso da antiguidade, logo, a noção de Democracia, cidadania e participação política não poderia ser a mesma. Com a modernidade, uma nova ordem de direitos passa a ser reivindicada. Esses direitos relacionam-se à liberdade econômica. Já não é mais a participação na coisa pública o interesse fundamental. Procura-se mais a liberdade individual frente ao Estado do que a participação na gestão da coisa pública. Na base da construção moderna da ideia de cidadania e participação política, verifica-se a existência de uma nova concepção sobre a liberdade. Essa noção de cidadania baseia-se em valores políticos fundados no princípio da igualdade jurídica dos indivíduos diante do Estado.
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Tela 30 |
| No clássico texto de Marshall, Cidadania, classe social e status (1967), partindo da noção de cidadania como um status, o sociólogo tenta verificar a possibilidade de todos os indivíduos virem a ser considerados como cidadãos, como detentores de direitos universalmente reconhecidos pelo Estado e pelos outros indivíduos. Marshall (1967) realiza um inventário histórico para definir quais direitos fazem parte do desenvolvimento da cidadania na Inglaterra, pois compreende não haver qualquer princípio que defina quais devam ser esses direitos universais. Neste inventário, Marshall identifica, nas etapas históricas que marcam a construção da cidadania na Inglaterra, a universalização dos direitos:
Estas três
ordens de direitos incorporaram-se, sucessivamente, à sociedade
inglesa, dentro de uma estrutura lógica que não pode ser
inteiramente transplantada para outros povos. Como bem observa Carvalho
(2001), no Brasil a cronologia e a lógica da sequência estabelecida
por Marshall inverteram-se: os direitos sociais vieram primeiro, implantados
justamente em um período da nossa história em que os direitos
políticos foram suprimidos e os direitos civis estavam restritos;
em seguida, em outro momento histórico, vieram os direitos políticos
e, ainda hoje, muitos dos direitos sociais ainda estão por serem
conquistados. |
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Tela 31 |
Ainda
de acordo com Carvalho, a sequência inglesa de Marshall seguia uma
lógica que reforçava a convicção democrática
pois: a) liberdades civis vieram em primeiro lugar e tinham a garantia
de um Judiciário que se tornava, cada vez mais, independente do
Executivo; b) partindo do exercício dessas liberdades, os direitos
políticos expandiram-se e consolidaram-se por meio dos partidos
políticos e pelo Legislativo; e, c) por meio da ação
dos partidos e do congresso, os direitos sociais foram postos em prática
pelo Executivo. É a partir dessa concessão de direitos que o Estado “reconhece” o status de cidadão em alguns grupos, ou classes de indivíduos, enquanto, por outro lado, não reconhece outros grupos que simplesmente exclui do exercício da cidadania. Vemos, então, que, para José Murilo, a ideia de cidadania está associada a direitos legitimados pelo Estado, mas também vinculada a uma identidade social, a um sentimento de pertencimento a determinada comunidade de sentidos, o que independe do reconhecimento por parte do Estado e que está muito mais vinculado ao campo do simbólico. |
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Tela 32 |
| A cidadania
não se limita, exclusivamente, às relações formais
entre Estado e sociedade. Várias são as práticas sociais
que se articulam no exercício da cidadania, como várias são
as expressões da cidadania – esta não se restringe apenas
ao periódico “ritual das urnas”, os atos de revolta,
as manifestações públicas, os protestos populares contra
as determinações do poder são, também, expressões
concretas da luta pela sua conquista e pelo seu efetivo exercício.
O mais fundamental de todos os direitos fundamentais – que são a “alma” do Estado de Direito – é o direito à liberdade. Contudo, não existe direito à liberdade sem direito de resistência; resistência esta que pode ir às raias da desobediência civil quando o poder dos governantes ferir o interesse maior da sociedade. Cidadão é o sujeito histórico que cobra do Estado, por meios formais ou informais, o reconhecimento dos seus direitos. |
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Tela 33 |
| Resumo
O cidadão não é um mero depositário de direitos. Ele é o criador, o ativador desses direitos. A cidadania é sempre processo em construção, é uma situação sempre dinâmica. O cidadão pleno participa ativamente do andamento da sociedade, da intervenção dentro do Estado, da criação de instituições. Nomear os indivíduos como cidadãos implica a construção de uma identidade social. A identidade é uma condição forjada a partir de determinados elementos históricos e culturais. É um fator que instrumentaliza a ação e cuja eficácia é tanto maior quanto mais estiver associada a uma dimensão emocional da vida social. A multiplicação de identidades possíveis, o reconhecimento do diverso, das diferenças, no interior de uma única sociedade – atualmente, de um mundo globalizado –, fenômenos como a “macdonaldização”, por um lado, e a “tribalização”, de outro, parecem ter diluído, fragmentado o conceito de identidade. Se a identidade emerge quando sujeitos políticos se constituem, e, neste sentido, permite a criação de um “nós” coletivo que leva à ação política eficaz, precisamos refletir, justamente, sobre aquilo que nos constitui como sujeitos políticos, a maneira como elaboramos a fala sobre nós mesmos, identificando o que significamos como imagem e como feixe de relações, cartografando um espaço próprio, uma condição assumida. Portanto, falar de identidade implica falar da emergência de uma condição comum que perdura apesar de diferenças específicas, implica a promoção de um reconhecimento. A modernidade estrutura-se em um padrão socioeconômico diverso da antiguidade, logo, a noção de Democracia, cidadania e participação política não poderia ser a mesma. Com a modernidade, uma nova ordem de direitos passa a ser reivindicada. Esses direitos relacionam-se à liberdade econômica. Já não é mais a participação na coisa pública o interesse fundamental. Procura-se mais a liberdade individual frente ao Estado do que a participação na gestão da coisa pública. Na base da construção moderna da ideia de cidadania e participação política, verifica-se a existência de uma nova concepção sobre a liberdade. Essa noção de cidadania baseia-se em valores políticos fundados no princípio da igualdade jurídica dos indivíduos diante do Estado. |
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| Unidade 2 | Módulo 4 | Tela 34 |
1 - A sociedade civil
O inferno são os outros? O homem é, por natureza, lobo do homem? A tradição religiosa do Ocidente concebeu um sonho profético que nos fala de um “mundo vindouro”, no qual “o leão há de deitar-se com o cordeiro” e “uma nação não levantará espadas contra outra”. Um mundo glorioso de “Paz e Justiça”. Queremos edificar a nossa morada, a nossa Etheia, o nosso lar. Pode ser a Política algo menos glorioso do que a suprema arquitetura da morada humana? A construção de um Espaço Público onde seja possível realizar a Utopia? Homem: um ser político, um animal social. A palavra “sociedade” vem do latim societas, que deriva do indo-ariano socr, palavra que significa árvore. A sociedade e a árvore, que ligação surpreendente! |
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Tela 35 |
Um ancestral remoto dos primatas, um pequenino mamífero de olhos esbugalhados e dedos longos, refugiava-se e protegia-se na copa das árvores para escapar de seus predadores. Devemos a ele e às árvores o desenvolvimento do nosso sistema visual e da nossa motricidade... devemos às árvores a nossa própria existência. Daí que a palavra “sociedade” traz em si essa conotação de mútuo socorro, de solidariedade: socr também é raiz da palavra “sagrado”.
Política: a arte e a técnica de administrar e gerir a polis, a cidade. Só que polis também é poli, o múltiplo, a multiplicidade. Assim, política é a arte e a técnica de administrar e gerir o múltiplo, a complexa e múltipla cadeia de relações que se estabelecem entre os homens e que os constituem como tais. O múltiplo, a multidão sempre assustam. Temos sempre o temor do múltiplo como força cega, acéfala, incontrolável. Precisamos unificar o múltiplo, a multidão, para melhor domesticar essa força temível. |
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Tela 36 |
Que ideia, que ideal ou ideologia pode ser legitimamente posta na égide da estrutura social com o fim de unificar o múltiplo? O Bem Comum, por certo. Mas só se pode alcançar o Bem Comum por meio da Justiça, e a Justiça mora no coração da Ética e a Ética é constitutiva das relações entre os homens. Ethos: a morada construída do homem, o cimento que mantém os tijolos unidos. Como manter os tijolos unidos?
O que é uma nação? Se nações são comunidades imaginadas, construídas, quem as constrói? Com a imaginação de quem isto é feito? Como é possível compartilhar um passado em comum? Com o que é possível projetar o futuro? Se mais do que o “exercício de construção da memória” precisamos de uma “adesão a valores e propósitos comuns”, não estamos entrando no terreno da Ética e da Política? Meu Deus, lá vem aquela palavrinha de novo: Cidadania. Alguns antropólogos como Maurice Godelier e Jacques Godbout, inspirados pela obra de Marcel Mauss, têm falado num tal “valor de vínculo”. Dizem que, sem o Dom, a Dádiva que mantém os vínculos entre os seres, a natureza e isto que chamamos Deus, tudo o que resta à sociedade é o Terror. O Homem é mais que um feixe de relações, posto que, se as relações são, a mais das vezes, inevitáveis, os vínculos traduzem um ato de escolha, uma deliberação. Por isso somos sempre responsáveis pelos vínculos que cativamos. Cidadão não é um ser imaginário ou uma abstração. Cidadão só existe na relação com seu concidadão. Cidadania é o vínculo entre os cidadãos, é o que, justamente, os torna cidadãos. Uma sociedade é formada por cidadãos não por indivíduos. Como, então, podemos construir uma sociedade de cidadãos? |
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Tela 37 |
2 - Sociedade Civil Organizada – representação e participação política Alexis de Tocqueville escreveu, com entusiasmo, sobre o dinamismo da sociedade civil americana daquele período – logo após a independência – e acreditou que esta seria a tendência marcante da modernidade: uma maior igualdade entre as pessoas e a intensificação da participação dos cidadãos na vida política e social de seus países.
A cidadania comporta um feixe de manifestações e pressões sociais exercidas por indivíduos, associações, coletividades ou grupos sociais na defesa de seus interesses, pois ela é um processo histórico de conquistas populares, por meio das quais, uma sociedade vai se tornando consciente e organizada, capacitando-se a conceber e efetivar um projeto próprio de desenvolvimento. O Estado brasileiro, que se desenvolveu à margem das práticas democráticas, assiste, hoje, à mobilização de ONGs, Fundações e movimentos de grupos, classes, categorias, na reivindicação de direitos ou ações que busquem sua efetividade. |
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Tela 38 |
Estas novas relações entre Estado, Mercado e Sociedade Civil Organizada ainda não se encontram plenamente normatizadas e necessitam de regulação. Estas organizações são fundamentais para a consolidação e manutenção da Democracia. Para que haja uma Democracia sólida, é necessário que exista uma sociedade civil organizada, e este papel cabe às organizações sociais. Nossa sociedade ainda não conseguiu efetivar o discurso dos “direitos do cidadão” dentro de uma prática cotidiana de cidadania. A organização política da sociedade, mediante associações e movimentos sociais, é elemento essencial nesse processo. Como, então, organizar a sociedade civil? Afinal, o que é sociedade civil organizada? O termo “sociedade civil” é decorrente das ideias contratualistas dos filósofos europeus dos séculos XVII e XVIII. “Sociedade civil” – societas civilis – reino da razão e da liberdade, contrapunha-se à ideia de uma societas naturalis – onde reinavam as paixões e as necessidades. No famoso “estado de natureza”, prevalecia a máxima hobbesiniana: “o homem é lobo do homem”. Hobbes – ao contrário de Aristóteles, que acreditava que o homem é, por natureza, um ser gregário, social – pregava que os homens, entregues à sua própria natureza, viveriam sempre “a guerra de todos contra todos”. Apenas por meio do poder coercitivo do Estado, era possível instituir a sociedade. A sociedade civil é regida pelas leis – postas, evidentemente, pelo Estado. |
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Tela 39 |
O termo “sociedade civil”, que desempenhou um papel importante na Filosofia Política moderna, designava uma esfera intermediária entre o chamado “estado de natureza” – pré-social – e a esfera plenamente socializada do Estado. Na “sociedade civil”, encontrava-se a totalidade das organizações particulares (incluindo-se aí as empresas e o mercado) que interagiam livremente – integradas e limitadas pelas leis postas pelo Estado. Na atualidade, o termo “sociedade civil” foi reconfigurado: nós o empregamos quando os cidadãos, livremente organizados, passam a reivindicar o direito de participar, ativamente, do processo decisório das políticas globais. Como vemos, a ideia que o termo encerra é a do exercício da cidadania. O que implica conceber a sociedade civil como a base sobre a qual é possível edificar e consolidar a democracia.
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Tela 40 |
A
consolidação do processo democrático, por sua vez,
deflagrou um movimento de participação cada vez maior da
sociedade civil na definição e na execução
de políticas públicas, pois dentro dela articulam-se múltiplas
formas de ativismo social. Cidadania e Democracia são duas faces
de uma mesma moeda: ambas tomam parte de um mesmo processo que aponta
para a construção de novas formas de participação
política, pois o cidadão, tomado em sua individualidade,
não se realiza sem a sua expressão coletiva. Ele só
pode efetivar o exercício da cidadania mediado pelo espaço
público e por instituições. O cidadão não
existe sem a produção coletiva destas mediações.
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Tela 41 |
3 - Emergência do Terceiro Setor A percepção de que o Estado era incapaz de assegurar os direitos fundamentais, especialmente das faixas e grupos excluídos e discriminados, foi o fator fundamental para a organização da sociedade civil. Nos últimos anos houve uma criação e proliferação de inúmeras Organizações Não Governamentais. Essas entidades – que se estruturam de diversas formas e atuam nas mais variadas áreas – estão voltadas, em sua maioria, para a educação, o meio ambiente, o bem-estar social, a saúde, o combate à violência, à discriminação e à desigualdade.
Há
vários grupos de Organizações Não Governamentais
voltados à mobilização, à denúncia,
à educação, à advocacia ou à implementação
de programas em parceria com a rede pública. Há ainda entidades
de apoio que buscam levantar fundos. |
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Tela 42 |
Como vemos, trata-se de um conjunto bastante diversificado de organizações que têm em comum a luta pelo alargamento do nível de participação dos cidadãos no processo de tomada de decisões políticas. A sociedade percebeu que a esfera pública não se limita à dimensão estatal. Neste sentido, o surgimento e a multiplicação das ONGs tomam parte no processo de estruturação da sociedade civil na luta pelo exercício da cidadania. Este processo demonstra a necessidade de reconstrução do tecido social e a tentativa de recuperar para os cidadãos – tanto no plano individual quanto no coletivo – a autonomia e o poder de decisão que tornam possível a criação de novas formas de equacionar as relações público/privado. Por muito tempo, fomos condicionados a acreditar que estas esferas eram absolutamente irredutíveis, inconciliáveis e antagônicas: o que bem atendia aos interesses de uma, fatalmente, haveria de contrariar o interesse da outra. |
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Tela 43 |
Acreditamos, também, que ao Estado – expoente máximo da esfera pública e seu supremo representante – cabia o atendimento das demandas e das necessidades públicas e que a iniciativa privada era, exclusivamente, movida pela busca do lucro. Diga-se, de passagem, que a possibilidade de entidades privadas gerirem a coisa pública sempre nos causou terror já que, historicamente, constatamos o quanto – aqui entre nós – paira sempre o fantasma da “apropriação privada da coisa pública”.
Na contra mão dessas tendências deu-se a emergência do chamado “terceiro setor”. Encontram-se, sob a denominação de terceiro setor:
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O que existe em comum entre as várias organizações que fazem parte do terceiro setor é a ausência de finalidade lucrativa, como insinua a denominação que estas organizações recebem nos Estados Unidos – not-for-profit. Mas será que esta definição pela via negativa basta para entendermos o Terceiro Setor? Como explicar a lógica deste segmento que surge, surpreendentemente, entre o público e o privado? Como entender este setor que mobiliza recursos privados para fins públicos? O Terceiro Setor – composto de organizações sem fins lucrativos que, tradicionalmente, dedicavam-se às práticas filantrópicas, à caridade e ao mecenato – incorporando o conceito de cidadania e dando ênfase ao trabalho voluntário, emerge em meio à crise do Setor Público, corroborando, inicialmente, para que o Setor Privado firme-se como paradigma de eficiência e de gestão, pois – e isso seja, talvez, difícil de entender – a “lógica” do Terceiro Setor substitui o ou/ou pelo e/e. O que isto quer dizer? |
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Tela 45 |
Isto significa que a lógica que estrutura o Terceiro Setor baseia-se no entendimento de que as necessidades, anseios e expectativas da sociedade civil, do governo e da chamada “iniciativa privada” não são, por natureza, incompatíveis. Mas, ao contrário, elas chegam a ser mutuamente dependentes. Perceba: quando falamos em “ação social da empresa”, normalmente, pensamos em uma “verbinha” a fundo perdido destinada a distribuir cestas básicas para as creches e asilos no Natal. Só que “ação social da empresa” não é caridade. A lógica que vigorava anteriormente era esta.
A lógica do Terceiro Setor é bem diferente: a ação social deve, obrigatoriamente, ser lucrativa. O conceito de lucro mudou. A necessidade de obtê-lo continua a mesma, talvez tenha até aumentado. |
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Imagem é lucro, fidelização dos clientes também. Logo, não é mais possível continuar pensando com a cabeça do administrador do século XIX. Por isso, hoje, um profissional capacitado a entender e manobrar a lógica do Terceiro Setor possui um grande trunfo. Planejar e gerenciar um projeto de ação social para uma empresa não é uma tarefa fácil. Distribuir cestas básicas para asilo é coisa do passado. Isso é fácil. Qualquer um pode fantasiar-se de Papai Noel ou Coelhinho da Páscoa para “fazer papel bonito”. Balanço social não admite este tipo de engodo. O que fazer então? |
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4 - Ética Empresarial: Compromisso e Responsabilidade A crise do Estado, que ocorria em nível mundial, precisava de solução. A OCDE empenhou-se, então, em disseminar os princípios da Nova Administração Pública:
Estes mesmos princípios são, também, transplantados para o Terceiro Setor, e especialistas do quilate de Peter Drucker começam a adaptar os métodos e princípios extraídos do setor privado para esta nova esfera. O que implica dizer que o Terceiro Setor enfrenta dois desafios:
A profissionalização do Terceiro Setor depende da:
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Tela 48 |
Deduz-se, portanto, que o êxito do Setor depende da profissionalização da gestão nos moldes do Setor Privado – que é a solução para a competitividade – e da cooperação e interação com as organizações afins, bem como da sensibilização e mobilização da sociedade. Só assim a sociedade organizada será capaz de exercer o desejado controle social, podendo intervir nas políticas públicas, interagindo com o Estado na definição de prioridades e na elaboração dos planos de ação do município, estado ou do Governo Federal. O segundo desafio – o estreitamento dos vínculos com a sociedade civil e a manutenção dos compromissos éticos assumidos – será visto mais adiante. |
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Resumo Alexis de Tocqueville escreveu sobre o dinamismo da sociedade civil americana do período logo após a independência, e acreditou que esta seria a tendência marcante da modernidade – uma maior igualdade entre as pessoas e a intensificação da participação dos cidadãos na vida política e social de seus países. A cidadania comporta um feixe de manifestações e pressões sociais exercidas por indivíduos, associações, coletividades ou grupos sociais na defesa de seus interesses, pois ela é um processo histórico de conquistas populares, mediante as quais uma sociedade se torna consciente e organizada, capacitando-se a conceber e efetivar um projeto próprio de desenvolvimento. O Estado brasileiro, que se desenvolveu à margem das práticas democráticas, assiste, hoje, à mobilização de ONGs, Fundações, e movimentos de grupos, classes e categorias, na reivindicação de direitos ou ações que busquem sua efetividade. As relações surgidas entre Estado, Mercado e Sociedade Civil Organizada ainda não se encontram plenamente normatizadas e necessitam de regulação. Essas organizações são fundamentais para a consolidação e manutenção da democracia. Para que haja uma democracia sólida, é necessário que exista uma sociedade civil solidamente organizada, e este papel cabe às organizações sociais. Nossa sociedade ainda efetivou o discurso dos direitos do cidadão dentro de uma prática cotidiana de cidadania. A organização política da sociedade, por meio de associações e movimentos sociais, é elemento essencial nesse processo, surgindo dúvidas: como, então, organizar a sociedade civil? Afinal, o que é sociedade civil organizada? O termo “sociedade civil” é decorrente das ideias contratualistas dos filósofos europeus dos séculos XVII e XVIII. “Sociedade civil” – societas civilis –, reino da razão e da liberdade, ideia que se contrapõe à de societas naturalis, em que reinavam as paixões e as necessidades. No “estado de natureza”, prevalece, portanto, a máxima hobbesiniana: “o homem é lobo do homem”. Hobbes – contrariamente a Aristóteles, que acreditava que o homem é, por natureza, um ser gregário, social – pregava que os homens, entregues à sua própria natureza, viveriam sempre “a guerra de todos contra todos”. Apenas por meio do poder coercitivo do Estado seria, pois, possível instituir a sociedade. A sociedade civil é regida pelas leis – postas, evidentemente, pelo Estado. Na atualidade, o termo “sociedade civil” foi reconfigurado: é empregado quando os cidadãos, livremente organizados, passam a reivindicar o direito de participar, ativamente, do processo decisório das políticas globais. A ideia que o termo encerra é a do exercício da cidadania, o que implica conceber a sociedade civil como a base sobre a qual é possível edificar e consolidar a Democracia. A consolidação
do processo democrático, por sua vez, deflagrou um movimento de
participação cada vez maior da sociedade civil na definição
e na execução de políticas públicas, pois
aí se articulam múltiplas formas de ativismo social. Cidadania
e democracia são duas faces de uma mesma moeda: ambas tomam parte
de um mesmo processo que aponta para a construção de novas
formas de participação política, pois o cidadão,
tomado em sua individualidade, não se realiza sem a sua expressão
coletiva. Ele apenas efetiva o exercício da cidadania mediado pelo
espaço público e por instituições. O cidadão
não existe sem a produção coletiva destas mediações.
A sociedade percebeu que a esfera pública não se limita à dimensão estatal. Nesse sentido, o surgimento e a multiplicação das ONGs tomam parte no processo de estruturação da sociedade civil na luta pelo exercício da cidadania. Este processo demonstra a necessidade de reconstrução do tecido social e a tentativa de recuperar para os cidadãos – tanto no plano individual quanto no coletivo – a autonomia e o poder de decisão que tornam possível a criação de novas formas de equacionar as relações público/privado. O Terceiro Setor – composto de organizações sem fins lucrativos que, tradicionalmente, dedicavam-se às práticas filantrópicas, à caridade e ao mecenato – incorporando o conceito de cidadania e dando ênfase ao trabalho voluntário, emerge em meio à crise do Setor Público, corroborando, inicialmente, para que o Setor Privado se firme como paradigma de eficiência e de gestão, já que a “lógica” do Terceiro Setor substitui o ou/ou pelo e/e. Ou seja, a lógica que estrutura o Terceiro Setor entende que as necessidades, anseios e expectativas da sociedade civil, do Governo e da chamada “iniciativa privada” não são, por natureza, incompatíveis, ao contrário: elas chegam a ser mutuamente dependentes. |
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