Era
um facão verdadeiro, sim senhor, movera-se como um raio cortando
palmas de quipá. E estivera a pique de rachar o quengo de um
sem-vergonha. Agora dormia na bainha rota, era um troço inútil,
mas tinha sido uma arma. Se aquela coisa tivesse durado mais um segundo,
o polícia estaria morto. Imaginou-o assim, caído, as
pernas abertas, os bugalhos apavorados, um fio de sangue empastando-lhe
os cabelos, formando um riacho entre os seixos da vereda. Muito bem!
Ia arrastá-lo para dentro da caatinga, entregá-lo aos
urubus. E não sentiria remorso. Dormiria com a mulher, sossegado,
na cama de varas. Depois gritaria aos meninos, que precisavam de criação.
Era um homem, evidentemente.
Aprumou-se, fixou os olhos nos olhos do polícia, que se desviaram.
Um homem. Besteira pensar que ia ficar murcho o resto da vida. Estava
acabado? Não estava. Mas para que suprimir aquele doente que
bambeava e só queria ir para baixo? Inutilizar-se por causa
de uma fraqueza fardada que vadiava na feira e insultava os pobres!
Não se inutilizava, não valia a pena inutilizar-se.
Guardava a sua força.
Vacilou
e coçou a testa. Havia muitos bichinhos assim ruins, havia
um horror de bichinhos assim fracos e ruins.
Afastou-se,
inquieto. Vendo-o acanalhado e ordeiro, o soldado ganhou coragem,
avançou, pisou firme, perguntou o caminho. E Fabiano tirou
o chapéu de couro.
—
Governo é governo.
Tirou
o chapéu de couro, curvou-se e ensinou o caminho ao soldado
amarelo.
RAMOS.
Graciliano. Vidas secas. 51. ed. São Paulo. Record.
1983. p. 106-7.
<<Fechar