As relações da mensagem podem se estabelecer
de diversas formas.
1.
Meio / mensagem
A fala é um evento que ocorre pela combinação
do vocal, do gestual, da fisionomia. Já a escrita
busca fixar um evento, ou seja, inscrevê-lo;
é um trabalho que se dá no tempo. Assim, podemos dizer
que é o discurso que surge numa forma gráfica,
não simplesmente como gramática. Ao escrever, o locutor
procura fixar a relação entre o acontecimento
e a significação que ele traz,
ou seja, na forma inscrita (ou fixada) já se percebe o acontecimento
e sua significação.
Assim, identificamos, na fala e na escrita, vários níveis,
por exemplo:
a) gramatical: nele existem certos padrões, regras (por exemplo,
cada língua – o português, o francês, o alemão
etc. – possui seus padrões e regras);
b) expressivo: o nível em que o locutor exterioriza ou exprime
na enunciação: o locutor expressa desejo, admiração,
pedido, ordem, surpresa, agressividade, declaração;
c) reativo: que corresponde ao tipo de reação que o locutor
pode provocar no seu interlocutor, explicitamente ou não, por
desejar ou por ser possível descobrir subentendidos, ou seja,
coisas que não são diretamente ditas mas que o interlocutor
pode legitimamente entender (por exemplo: concordância, discordância,
impotência, reflexão, raiva, ansiedade, perplexidade, ameaça.
Como: ele me ameaçou, me chamou de tolo, quer me fazer mudar
de ideia,...).
É claro que este terceiro nível, que diz respeito a reações
ao que é inscrito, é muito menos fácil
de controlar, menos explícito na escrita que na fala (ocorre
mais espontaneamente na fala), quando os sujeitos estão próximos
e compreendem o que está subentendido.
Salientamos que a escrita não faz simplesmente fixar algo como
se fosse uma "fotografia" (lembremos que, aliás, as
fotografias também são feitas escolhendo-se ângulos,
perspectivas, de modo a criar certos efeitos). Assim, o discurso fixado
(escrito) é afetado na sua função comunicativa
(dialógica/interativa). Neste caso, podemos dizer que
a escrita "toma o lugar da fala", ou seja, ela é inscrita
sem a intermediação da fala.
2. Mensagem
/ locutor
Esta relação é muito alterada na escrita, uma vez
que a de diálogo não ocorre imediatamente. É por
isto que se incorre em erro acreditando que a leitura, em relação
à escrita, seja apenas um caso particular da relação
fala / audição (ou ainda, que o processo da compreensão
na leitura seja idêntico ao da compreensão
da fala.), mas não é. A compreensão na
fala ocorre imediatamente ao diálogo, a compreensão na
escrita é mais complexa, envolvendo decifrações
implícitas.
Na verdade ler e ouvir/ falar e escrever/ compreender a leitura e compreender
o que é falado são processos diferentes. Na fala, por
ser esta imediata, a própria "intenção"
se aproxima da situação – ou seja, é semelhante
entender o que o locutor pretende com o seu dizer e
o que o seu discurso significa. Na escrita, a intenção
se dissocia da significação. Muitas vezes o autor utiliza
recursos e significados distintos para construir seu texto e estabelecer
tais relações.
3. Mensagem
/ ouvinte
Na maior parte das vezes o texto escrito é dirigido a um leitor
desconhecido: alguém que saiba ler. A leitura, pois, é
um fenômeno de altas implicações sociais, obedecendo
a certos padrões e sofrendo também limitações.
De fato, uma obra cria o seu próprio público
– e, inversamente, o autor também estuda e escolhe o público
para sua obra (é isto que cria, talvez, o best-seller).
Em princípio, porém, reconhecer a obra (pelo interlocutor,
ou leitor) é um evento imprevisível. É a autonomia
semântica (ou seja, autonomia de significados) do texto escrito
que permite a imensa gama de leitores possíveis; por outro lado,
esses leitores reagem, respondem ao texto de alguma forma, e isto é
indispensável para dar-lhe plena significação (e
é assim que se manifesta a dialogicidade do escrito: pela inevitável
multiplicidade de interpretações pelos seus leitores).