EXEMPLO 2

Exemplo Portal Exame 27.05.2010

Desafios para investimentos em infraestrutura no país

Angela Pimenta

Especialista em grandes projetos de infraestrutura, o britânico Tim Treharne, está no Brasil há três anos. Membro do conselho da Associação Internacional de Project Finance, a IPFA, na sigla em inglês, ele falou com exclusividade ao Portal EXAME sobre as oportunidades e desafios dessa modalidade de empréstimos no país.

Sobre o potencial de investimentos em Project Finance no Brasil:

O Brasil é um dos países com maior potencial para project finance no mundo e, em grande medida, isso tem a ver com as obras para a Copa do Mundo de 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016. Existe um grande interesse de investidores internacionais no país, que oferece algumas das maiores oportunidades no setor de infraestrutura, alavancado por essa estrutura de financiamento.

Tanto a indústria da construção pesada, como o setor financeiro brasileiro tem expertise, capital humano e capacidade para executar grandes projetos de infraestrutura. Além disso, o país é tão grande e apresenta diversas oportunidades, que fatalmente desperta o interesse de investidores internacionais.

Sobre os desafios relacionados a Project Finance no país:

Entretanto, a quantidade de contratos de project finance no Brasil ainda é relativamente limitada. Inicialmente, é preciso definir project finance como o tipo de financiamento cujas receitas futuras são a garantia de pagamento dos empréstimos que custeiam a construção do projeto. Dessa forma, a única fonte de repagamento será o próprio projeto e os riscos serão compartilhados de forma a permitir aos bancos financiarem os projetos, ou seja, deve haver uma alocação de riscos ótima em que cada parte tenha o controle e a segurança sob as responsabilidades assumidas. O conceito do project finance se baseia no princípio de que os financiadores têm recursos limitados ao patrimônio apenas da SPE (Sociedade de Propósito Específico). Nós não vemos muitos projetos montados integralmente dessa forma no Brasil.

No Brasil, são três os principais desafios para o aumento do volume de investimentos em project finance. O primeiro está relacionado à responsabilidade da pessoa jurídica (corporate veil), que apresenta uma série de problemas no Brasil. Ao contrário dos demais países, onde os acionistas da SPE são blindados, no Brasil eles respondem, por exemplo, por problemas de cunho ambiental envolvidos no projeto. Além disso, os acionistas também são atingidos pelos custos trabalhistas e os impostos. Isso tudo acaba limitando o potencial de projetos de project finance no país porque o mecanismo principal, a SPE, de compartilhamento de riscos não funciona de forma suficientemente segura. E dependendo da participação que a empresa possua na sociedade de propósito específico, isso pode ser mais arriscado. E tampouco existe no país uma jurisprudência sobre qual seria a responsabilidade dos credores do projeto. Desta forma qualquer financiador vai procurar garantias e o conceito de ‘non-recourse’ é atenuado.

Sobre a atuação do BNDES:

A segunda questão tem a ver com o BNDES, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, que é uma instituição conhecida por fornecer empréstimos de longo prazo e juros baixos em relação aos praticados no mercado brasileiro. Isso é fantástico! Entretanto, com o crescimento do mercado de project finance no Brasil, o BNDES deverá ser uma peça fundamental para alavancar os financiamentos e investimentos das demais instituições financeiras privadas. Será necessário que o BNDES se reposicione para multiplicar o volume de recursos disponíveis para os vultosos projetos de infraestrutura do Brasil.

A forma pela qual o BNDES interage e apóia projetos de infraestrutura no país tende a ser modificada. Em outros países do mundo, os bancos de desenvolvimento tendem a ser o financiador de última instância. Já no Brasil, o BNDES é o financiador de primeira instância. Ele precisa ser mais um facilitador desses projetos do que o único fornecedor de recursos. Creio que isso é um desenvolvimento natural que vai acabar acontecendo.

Creio que existe um óbvio papel para fundos de pensão emprestarem em project finance no país. Se criássemos um fundo de dívida, usando o dinheiro dos fundos de pensão brasileiros, ele seria bastante competitivo, mas ainda assim ele seria menos competitivo que o dinheiro emprestado pelo BNDES porque o funding apresenta taxas de juros bem competitivas. Vale lembrar que as altas taxas dos juros básicos do país têm um impacto significativo na taxa cobrada pelas instituições privadas.

No Brasil, seria interessante se os bancos comerciais garantissem para o período de construção, mas que o funding viesse dos fundos de pensão. Com isso, adequaríamos os mecanismos de médio e longo prazo. Logo, uma porção poderia vir do BNDES, outra parte dos bancos comerciais e outra porção dos fundos de pensão. No futuro, o Brasil poderia ter fundos de investimentos específicos para infraestrutura. Existem alguns no Brasil, mas esse mercado poderia crescer com a participação de fundos nacionais e internacionais. Além disso, tem o mercado de seguros. O pacote de riscos deveria ser melhor mitigado pelas seguradoras que já estão focadas no desenvolvimento de produtos nessa área.

Sobre a lei das licitações:

O terceiro desafio é a lei de licitações 8.666/93. Quando você olha para PPPs ou concessões, muitas vezes o melhor critério não é o preço mais baixo, porque uma vez que o contrato é submetido à consulta pública, ele não pode ser mudado. Por outro lado, também não sou a favor de uma completa flexibilidade em relação a preços. Trabalho com isso há mais de vinte anos e tenho visto diferentes modelos funcionando. Mas é preciso que haja alguma flexibilidade para que o governo possa conseguir o melhor preço e também a garantia de qualidade e inovação. Logo, é preciso que haja alguma forma para que o governo selecione de fato a melhor proposta do setor privado. E tal proposta deve ser olhada como um todo.

E associado a esse ponto, outra coisa importante é o próprio processo que dará origem ao project finance. No Brasil, muitos deles, começam com uma iniciativa do setor privado. Isso funciona, mas seria interessante que o setor público também iniciasse os projetos. A EBP (Estruturadora Brasileira de Projetos) é um bom exemplo de como isso pode começar a ser feito. Seria interessante ver como as Olimpíadas irão ser projetadas, porque se trata de uma série de projetos que irão necessitar uma coordenação geral. E será difícil se essa coordenação for feita pela iniciativa privada, seja em função do calendário ou da forma como esses projetos serão estruturados. Tais projetos precisam ser programados de forma conjunta.

Mais um aspecto importante é o nível de risco que o setor privado pode arcar de forma sensata em project finance. Geralmente, no regime de concessões brasileiro, todo o risco recai sobre o setor privado. E isso inibe o investimento privado e mais especificamente, o investimento estrangeiro. Foi o que aconteceu, por exemplo, no documento publicado sobre o trem de alta velocidade. Ele foi muito rígido em relação os riscos e as responsabilidades do setor privado. Logo, fica difícil imaginar o interesse dos investidores nessas condições. Já a PPP permite mais flexibilidade no compartilhamento de riscos entre o setor público e privado.

Sobre a burocracia:

Outra questão crítica é a burocracia relacionada à obtenção de licenças para uma empresa começar a operar em determinado setor. Esses procedimentos devem ser simplificados, e conseqüentemente, os prazos reduzidos.

O processo de pré-qualificação para as concorrências é muito extenso e complexo que desencoraja os investidores. Especificamente os investidores internacionais estariam mais encorajados se o processo fosse o mais transparente possível.

A capacidade de o Brasil atrair realmente capital para obras de infraestrutura em project finance vai depender em grande parte do país conseguir resolver essas questões. Não creio que sejam necessárias mudanças drásticas, mas apenas alguns aperfeiçoamentos pontuais que permitissem a evolução do project finance no país.

Copyright © 2014 AIEC.