Com as agravantes do desmatamento e do aquecimento
global, a seca na Amazônia ganha alguns contornos de novidade
que se dissipam no longo curso da história da região.
De acordo com o meteorologista Pedro Dias, do Instituto Nacional
de Pesquisas Espaciais (Inpe), a atual redução das
chuvas se encaixa no padrão de ciclos observado na Amazônia
no último século. É o que os técnicos
chamam de "variabilidade decadal do Oceano Pacífico",
que impacta o Atlântico.
Os regimes de chuvas ao norte e ao sul do Rio Amazonas se têm
alternado, em ciclos de três décadas, ao longo de
120 anos. Nos anos 40, 50 e 60 choveu menos na Amazônia.
Nas três décadas seguintes, as chuvas aumentaram.
Agora, no início do século XXI, a região
pode estar começando um novo ciclo de 10% a 15% a menos
de chuva, assim como aconteceu no início do século
XX. "Nos últimos 100 a 120 anos, os ciclos têm
sido bastante regulares", diz.
Coincidentemente, as variações possivelmente causadas
pelo efeito estufa também são da ordem de 10% a
15%. "Há um consenso de que o aumento do efeito estufa
já tem uma magnitude comparável à da variação
natural", registra Pedro Dias. Assim, o que poderia acontecer,
falando grosseiramente, é que a variação
causada por esse efeito venha se somar à variação
natural, duplicando o impacto sobre o ambiente. O meteorologista
salienta, que se trata de variações médias
ao longo de três décadas, e não de ano a ano,
quando o comportamento pode ser bem diferente.
Numa escala ainda maior de tempo, a atual seca se torna mais relativa.
Entre 5 mil e 3 mil anos atrás, onde hoje existe floresta,
havia grandes extensões de savana, característica
de regiões com longos períodos de seca. Também
há registros de grandes variações nas chuvas
e de períodos em que os rios baixaram, causando mudanças
significativas na fauna e na flora, lembra Virgílio Viana,
Secretário do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável
do Amazonas.
"Esta
é a maior seca com internet e cobertura em tempo real",
ironiza Elpídio Gomes Filho, Superintendente da Administração
das Hidrovias da Amazônia Ocidental (Ahimoc). Adaptados
a grandes variações de profundidade dos rios entre
os períodos de chuva e de estiagem, os portos da Amazônia
têm um sistema de braços flutuantes inventado pelos
ingleses que sobem e descem, acompanhando a superfície
da água.
"Os
rios sobem 14 metros durante 6 meses e descem 14 metros durante
6 meses, de forma previsível, milenar e regularmente",
assegura Elpídio.
Adaptado
de Lourival Sant'Anna, O Estado de S. Paulo,
16.10.2005