8 - A coesão e a coerência

Sabemos que coerência e coesão são aspectos importantes na articulação textual e, por isso mesmo, estão intimamente relacionados. Observe que essa relação se estabelece na medida em que a coerência vincula-se ao conteúdo, e a coesão à forma de expressão desse conteúdo.

Ambas as noções referem-se, portanto, a propriedades de ligação entre as partes de um texto: a coerência resulta da relação harmoniosa entre conceitos no interior de um texto e entre estes e a realidade exterior. Já a coesão é a propriedade de ligação entre os elementos lingüísticos.

Vejamos o exemplo a seguir:


"Tem uma mulher, Maria, claro, que vem cozinhar pra mim e sempre chega com notícias da decomposição da sua família. 'Minha mãe tá com urina preta', justo quando eu estou tomando café. [...]

Tomei meu suco de tomate depressa quando ouvi a chave da dona Maria na fechadura. Foi ali, ali.

— Meu irmão tá escarrando sangue."

VERISSIMO, Luis Fernando. O jardim do diabo. Porto Alegre: L&PM, 1999.

Descontando ou não o humor (que pode, para alguns, parecer de gosto duvidoso), percebemos que a coerência do trecho transcrito é "perfeita". Se, em princípio, poderia ser estranha a ligação entre os fatos: (1) ouvir o barulho da chave na fechadura; (2) "adivinhar” que se trata de Maria; e (3) apressar-se em tomar suco de tomate; por outro lado, eles formam uma seqüência perfeitamente lógica, uma vez que o leitor está de posse de uma informação, dada anteriormente, de que existe uma mulher, Maria, que vai até a casa do narrador cozinhar para ele.

Além disso, sabemos que essa cozinheira tem uma conversa sobre temas desagradáveis, geralmente relacionados a doenças. Por fim, acentuando o efeito cômico, o autor coloca na fala de Maria, de estalo, a hemoptise (tosse seguida pela expectoração do sangue) do irmão. Pois bem, essa ligação perfeita dos fatos garante coerência a esse trecho do texto.

Quanto à coesão: ela é, como já dissemos, garantida por elementos gramaticais no interior das frases. Por exemplo, o pronome sua, em itálico no texto, liga a família a Maria, ou seja, garante que é da própria família que Maria costuma falar tanto. Se o pronome não aparecesse, restaria uma ambigüidade; e se, ao invés de sua, fosse, por exemplo, minha, a família neste caso seria a do narrador: estaria ligada a ele.

A coesão não é condição necessária nem suficiente da coerência: as marcas de coesão encontram-se no texto ("tecem o tecido do texto"), enquanto a coerência não se encontra no texto, mas constrói-se a partir dele, em dada situação comunicativa.



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