E na
linguagem escrita, que marcas podem ser diferenciadas?
Vejamos.
Leia os fragmentos abaixo.
Nasci dura, heróica, solitária e
em pé. E encontrei meu contraponto na paisagem sem pitoresco
e sem beleza. A feiúra é o meu estandarte de guerra.
Eu amo o feio com um amor de igual para igual. E desafio a morte.
Eu — eu sou a minha própria morte.
E ninguém vai mais longe. O que há de bárbaro
em mim procura o bárbaro e cruel fora de mim. Vejo
em claros e escuros os rostos das pessoas que vacilam às
chamas da fogueira. Sou uma árvore que arde com duro prazer.
Só uma doçura me possui: a conivência com
o mundo. Eu amo a minha cruz, a que doloridamente carrego.
É o mínimo que posso fazer de minha vida: aceitar
comiseravelmente o sacrifício da noite.
Se
tudo existe é porque sou. Mas por que esse mal
estar? É porque não estou vivendo do único
modo que existe para cada um de se viver e nem sei qual é.
Desconfortável. Não me sinto bem. Não sei
o que é que há. Mas alguma coisa está errada
e dá mal estar. No entanto estou sendo franca e meu jogo
é limpo. Abro o jogo. Só não conto os fatos
de minha vida: sou secreta por natureza. O que há
então? Só sei que não quero a impostura.
Recuso-me. Eu me aprofundei mas não acredito em
mim porque meu pensamento é inventado.
Fragmentos
de Clarice Lispector (Doçura)
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Agora observe algumas
marcas de linguagem interessantes nestes fragmentos da Clarice Lispector:
1. Há muitas
figuras de linguagem, usadas para dar um caráter
psicológico-imagético ao texto, concorda?
2. Há perguntas e respostas, o que significa
um processo interno de questionamentos para chegar à expressão
de seu próprio sentimento.
3. Há elementos de contraposição
(ou de negação) de idéias para
compor um caráter de franqueza quanto à própria
incapacidade de compreender-se.
4. Há uma pontuação fragmentada,
narrativa pausada, para compor a emoção
da personagem-locutora.
5. Há metalinguagem (não acredito
em mim porque meu pensamento é inventado), recurso utilizado
para ampliar a própria dificuldade da personagem diante da linguagem.
6. Independente do tom poético, os traços psicológicos
da personagem são fortemente marcados pela construção
sintática e semântica do monólogo, não
é mesmo?
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